ISSN 2359-5191

17/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 14 - Saúde - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
Pesquisa propõe reestruturação do modelo de monitoramento da raiva em São Paulo
Com programa instituído na década de 70 e sem casos da doença desde 2001, sistema é precário e com baixa efetividade de detecção
Último caso de raiva em São Paulo foi transmitido por um gato (Imagem: Wikimedia Commons)

Em meados da década de 80, a raiva possuía uma situação epidemiológica bastante importante no país. Por ser uma doença que pode ser transmitida para todos os mamíferos, foi instituído nos anos 70 o Programa de Controle da Raiva em São Paulo, um dos pioneiros no Brasil. Ele teve início na capital e depois se espalhou para todo o estado, sendo estruturado em campanhas de vacinação de cães e gatos, profilaxia pós-exposição de pessoas ao vírus e envio de amostras de animais de risco  suspeitos de possuírem a doença  para diagnóstico laboratorial. Devido a criação desse sistema de monitoramento, o cenário da raiva mudou muito no estado ao longo do tempo.

O vírus que causa a doença ainda circula, mas em variantes diferentes daquela época e em outras populações, como bovinos, equinos e morcegos. O último caso de raiva autóctone registrado em humanos no Estado de São Paulo aconteceu em 2001, com uma variante de morcego transmitida através de um gato. Contudo, apesar do novo cenário, a estrutura do sistema ainda é a mesma. Em seu doutorado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, a médica veterinária Camila Marinelli Martins pesquisou o histórico da doença, de 2003 a 2013, fim de entender sua dinâmica atual, fazer uma avaliação das ações de vigilância tomadas pelo governo e propor uma reestruturação do monitoramento.

O trabalho foi uma prerrogativa do Instituto Pasteur, que controla o programa de controle da doença no Estado. “Meu estudo foi baseado em um modelo de avaliação de sistemas de vigilância proposto pelo CDC, o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, que pode ser aplicado para qualquer doença em qualquer cenário”, explica a pesquisadora.  Ela observou todos os casos de raiva os quais aconteceram no período estudado e a  distribuição deles. A partir desses resultados, aplicou o modelo norte-americano na estrutura atual do programa, buscando indicadores para avaliar a vigilância quanto a sua qualidade, sua capacidade de detecção da doença e a capacidade de sua estrutura.

Análise da estrutura
“Primeiramente, observamos que os bancos de dados nos quais as informações são registradas hoje são bastante precários. Não existe um sistema padronizado de informações e elas acabam circulam entre as instituições de uma forma informal”, relata. As parcerias que constituem a rede de laboratórios de diagnóstico de raiva também funcionam sem contratos formais com a Coordenadoria do Estado de São Paulo. Além disso, Camila constatou que a vigilância tem diminuído no Estado. No período analisado, caiu quase 40% o número de municípios os quais enviam amostras de cães e gatos para diagnóstico laboratorial e monitoramento. “Isso é muito preocupante porque, em um cenário no qual a doença não circula em humanos, o ideal é se procurar populações de animais de risco para, mesmo com baixa ocorrência, conseguir encontrar o vírus”, explica.

Após destrinchar esse cenário, a médica veterinária aplicou o modelo do CDC. Ele é dividido em dez atributos de desempenho, tais como representatividade, oportunidade e sensibilidade. Fazendo uma análise especial sobre quais municípios enviam ou não amostras de animais suspeitos, Camila averiguou que o sistema é pouco representativo, pois que muitas das cidades paulistas não cumprem esse protocolo. Ainda observou, a partir do banco de dados dos laboratórios, a velocidade com a qual os casos são diagnosticados: quanto tempo demora-se para, partindo de uma suspeita de um animal com a doença, coletar o material, fazer o diagnóstico e detectar se havia a presença ou não do vírus.

A logística começa com um animal de risco e termina com a deliberação laboratorial, mas não é tão simples assim. “Existem diversos ‘tempos’: aquele entre a manifestação de sinais e o óbito do animal  o que é inevitável, pois não há tratamento para a raiva  outro entre óbito e o coleta do material, o caminho entre a coleta e o laboratório e, finalmente, o tempo da liberação dos resultados”, explica. Por conta disso, as velocidades foram feitas separadas, considerando cada um desses fatores. O ponto mais crítico e de menor oportunidade acontece entre coleta da amostra e a chegada no laboratório, com uma demora média de dez dias. “Isso se deve a muitos outros indicadores de qualidade, como  questões estruturais e legislativas de transporte de material biológico”, completa Camila.

Renovação do sistema
“Esse é um sistema com mais de 30 anos e ele existe para uma doença que, hoje, é de rara ocorrência no estado. Contudo, a raiva pode retornar e o ideal é que o programa seja hábil e rápido na identificação dos casos. Hoje, esta capacidade é baixa”, releva. Levando em consideração o cenário atual, Camila procurou uma forma de otimizar o sistema para maior eficiência e qualidade da vigilância através de estudos sobre a capacidade de detecção da doença, variando-se o quantitativo de amostras a depender do tipo de animal. Algumas simulações foram feitas para, através de estimativas de probabilidade, ver em que ponto o governo deveria investir mais seus recursos e esforços para ter um melhor resultado.

Trabalhou com quatro diferentes populações: o animal agressor, o atropelado  o qual pode desenvolver um comportamento característico de raiva  aquele com sintomatologia neurológica em clínicas veterinárias e o animal em Centros de Controle de Zoonoses. Foram construídas árvores de cenários, simulações, em cada um dos casos, de todas as probabilidades: o animal ser identificado, coletarem sua amostra, ele ser de fato infectado e, portanto, ser detectado. Atrás de cálculos, concluiu que o sistema seria mais eficaz com investimento de recursos em animais com sintomas neurológicos em clínicas. “Há um risco maior dele estar infectado e, considerando um cão ou gato que possui uma família e começa a ter sintomas, será muito provavelmente encaminhado para a clínica”, explica.

Segundo a pesquisadora, a conclusão de seu trabalho é que o sistema atual tem uma capacidade muito baixa de detecção e, caso a doença volte, não teria capacidade para detectar com velocidade de controlá-la e evitar que virasse novamente uma epidemia. “Uma via possível e real de mudar esse quadro, aumentando a qualidade do sistema, seria envolver mais os clínicos veterinários nesse processo”, conclui. A parceria com o Instituto Pasteur viabilizou a utilização dos indicadores do estudo de Camila para buscar alternativas e reorganizar o programa. Contratos e parcerias com laboratórios estão sendo refeitos, os municípios estão sendo procurados para se entender quais as dificuldade daqueles que não participam da vigilância da raiva e buscar ajuda para as questões levantadas por eles.

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