ISSN 2359-5191

23/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 18 - Economia e Política - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
Obrigatoriedade do voto leva eleitores a se informarem mais antes das eleições
Política faz com que cidadãos aumentem em 10% probabilidade de listar Jornal Nacional como um dos seus programas mais assistidos
O fato de estarem obrigadas a votar leva pessoas a consumirem mais informação. Fonte: Wikimedia Commons

Há alguns efeitos evidentes resultantes da obrigatoriedade do voto. Quando se multa pessoas por faltarem às eleições, aumenta-se o comparecimento. Mas existem também outros questionamentos menos claros quanto à imposição por lei. Essa política também faz os eleitores buscarem mais informação? Uma pesquisa concebida na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP comprovou que, sim, as pessoas consomem mais informação quando são obrigadas a votar.

Utilizando dados da Pesquisa Brasileira de Mídia (PBM), um questionário organizado pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República junto com o Ibope, o estudo verificou se a lei de voto obrigatório no Brasil faz as pessoas assistirem a mais telejornais. Raphael Bruce, autor da pesquisa, disse que o intuito era avaliar o impacto da obrigatoriedade do voto sobre o consumo da informação. Através da metodologia de regressão contínua, Bruce conseguiu simular um experimento aleatório controlado, usando aleatorizações encontradas naturalmente.

A comparação só foi possível por uma questão de calendário, já que as eleições ocorrem em outubro. “Algumas pessoas completaram 18 anos em setembro de 2014 e outras em novembro. Aqueles que chegaram à maioridade em setembro estarão sujeitos a multa por abstenção, enquanto os aniversariantes de novembro não”, conta Bruce. O fato das datas de aniversário ser bastante próximas faz com que hábitos de consumo de informação em pessoas praticamente da mesma idade possam ser equiparados. “Após garantir a comparabilidade dos grupos em torno de outubro de 2014, o mês das últimas eleições federais, comparo o consumo de informação do grupo de tratamento, que foi exposto às punições por abstenção, com o consumo do grupo de controle, que não foi exposto”, explica o pesquisador.

Quanto à indagação a respeito da interferência de uma multa de R$3,50, para o comparecimento ou não de um eleitor à urna, Bruce se antecipa. Justifica que embora desobedecer à lei de voto obrigatório não pareça um grande problema, dado o aparente baixo valor da multa, seu custo vai muito além dos R$3,50. “Enquanto as eleições ocorrem em um domingo em um lugar próximo à residência do eleitor, a justificativa deve ser feita em um Tribunal Regional Eleitoral (TRE) durante o horário de funcionamento ou enviada pelos correios”, argumenta ele. Além do mais, as implicações de ter o título cancelado por não se ter justificado três ausências seguidas envolvem diversas punições. Entre elas, a de não poder ser elegível para programas de transferência de renda, não poder se matricular em instituições de ensino públicas ou tomar posse em cargo público e ser impedido de emitir uma entidade ou um passaporte novo. “No total, a multa vai além de somente R$3,50 e possui um componente não fiduciário que torna a abstenção relativamente mais custosa que simplesmente votar no dia das eleições”, afirma o pesquisador.

Bruce encontrou um efeito causal da lei sob o consumo de informação de apenas um telejornal, o Jornal Nacional. Comparando os dois grupos, notou-se que aqueles obrigados a votar tinham 10% a mais de probabilidade de listar o Jornal Nacional como um de seus programas de televisão mais assistidos. Nenhum efeito foi encontrado para o consumo de outros programas de televisão como novelas, partidas de futebol ou mesmo outros telejornais. Mas por que o Jornal Nacional? Primeiramente, como explica o pesquisador, é o principal telejornal da Rede Globo, emissora cujo sinal alcança mais de 99% da população brasileira. No mês passado, o JN fechou com 33,6% de share. Em 2014, esse índice era de 40%. “Nos EUA, o NBC Nightly News, telejornal de maior audiência, possui 15% do share”, assinala. Bruce também cita artigos recentes que analisam o conteúdo desse telejornal, em que 40% são dedicados a temas de relevância para eleitores, como política, economia e problemas sociais.

A discussão é recorrente no Brasil. Em junho deste ano, o Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, por 311 votos a 134, o fim do voto obrigatório. À época, retomava-se a votação da reforma política. Tudo ficou como estava. Permanecia o voto obrigatório para maiores de 18 de anos e menores de 70. O debate é cíclico e gira em torno da questão da qualidade do voto. Teoricamente, apenas eleitores que tivessem interesse pela política participariam da eleição, ou pelo menos é o que argumenta quem defende o fim da prática. Em compensação, com menos cidadãos indo às urnas, ocorreria uma queda de representatividade. Isso foi justamente o problema apresentado pelo presidente norte-americano, Barack Obama, ao se pronunciar em março de 2015 sobre a obrigatoriedade do voto. À época, apresentou essa política como uma potencial solução para minimizar o problema de representação, que surge quando pessoas mais pobres e menos escolarizadas deixam de comparecer às urnas.

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