ISSN 2359-5191

17/05/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 59 - Educação - Instituto de Química
Estudo investiga dificuldades de compreensão no ensino de química
Modos de tornar aprendizado mais eficaz é tema de grupo de pesquisa no Instituto de Química da USP
Para auxiliar no entendimento da matéria, os modelos reais são utilizados para que o aluno monte as moléculas. Créditos: Reprodução.

Uma pesquisa realizada, através de questionários, na Escola Estadual de Ensino Médio Professor Martins Filho, em Maracanaú - CE mostrou que, dentre 91 alunos, 62,64% têm dificuldades em entender química e 86,81% dizem que a metodologia utilizada pelo professor tem influência na aprendizagem. Essa dificuldade, no entanto, não é restrita somente a essa cidade, quiçá ao mundo. Pensando nisso, a professora Daisy de Brito Rezende, do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química da USP, comanda um grupo de pesquisa voltado para o Ensino de Química.

A pesquisa é direcionada tanto para a formação de professores da matéria, quanto para intervenções em sala de aula - do Ensino Médio à graduação - com consequências didáticas. O grupo já trabalhou com várias atividades lúdicas, desde jogos teatrais aos de tabuleiro. O que importa não é a atividade em si, mas sim o seu processo de construção, pois “nele, os alunos têm que pesquisar sobre a temática, construir as perguntas e os jogos. É nesse processo de pesquisa e interação que se dá o aprendizado”, afirma a pesquisadora. O lúdico, como maneira de ensino e aprendizado, está sendo muito pesquisado atualmente. Por isso, desde 2014, é realizado o Jalequim (Encontro Nacional de Jogo e Atividades Lúdicas no Ensino de Química) cujo objetivo é aprofundar discussões teóricas e metodologias acerca do assunto. Entre vários outros aspectos estudados, no Ensino Superior, um deles é a investigação do efeito do Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) na formação dos futuros professores. Esse programa governamental oferece bolsas aos alunos de cursos presenciais que façam estágios em escolas públicas e que, uma vez graduados, exerçam o magistério nessas mesmas escolas.

O aporte da psicologia

Uma das teorias utilizadas pelo grupo é a Teoria das Representações Sociais - proposta primeiramente por Serge Moscovici -, que estabelece parâmetros para a investigação do conhecimento de senso comum sobre objetos sociais específicos como a psicanálise ou a química. Essa teoria é utilizada para estudar quais são as representações sociais de diferentes grupos (professores e alunos do ensino médio à pós-graduação) sobre a química. Com essas informações, é possível realizar um melhor planejamento de intervenções que levem a um aprendizado mais efetivo. “Estudamos, por exemplo, a representação sobre a orgânica em alunos da farmácia e da química. Descobrimos que essa representação é diferente, e difere já no ingresso do estudante na faculdade, uma vez que teoricamente teriam feito o ensino médio igual”, exemplifica Rezende. “A representação dos alunos da farmácia voltava-se a aspectos mais biológicos, enquanto dos da química se relacionava mais a petróleo e carbono. Isso mostra que a abordagem de um curso de química orgânica deve ser diferente para esses dois grupos sociais, de forma que se considerem os aspectos afetivos da aprendizagem na escolha das temáticas a serem abordadas.”

A gramática da química

Outro aporte da pesquisa é fazer com que o professor pense nas dificuldades relatadas no que diz respeito ao entendimento da matéria. “Isso quem vê são os químicos, um pedagogo, por exemplo, não tem como saber disso. Química é uma linguagem, é preciso saber suas regras gramaticais então”, argumenta a pesquisadora. As dificuldades encontradas no ensino da matéria incluem a articulação entre o macroscópio (possível de ser visto a olho nu) e os modelos submicroscópios (escala de medida em que nem microscópios comuns conseguem ampliar), já que os alunos observam no domínio macroscópio e as explicações se referem ao domínio do submicroscópio. Entender que o mundo é formado por partículas extremamente pequenas que se movimentam e de espaços vazios entre elas não é fácil para todos, “por meio das propriedades dessas partículas temos que conseguir explicar as propriedades do mundo que vemos”, completa. Soma-se a isso a forma como os conceitos são apresentados nos currículos tradicionais: não parecem estabelecer relação entre si. A falta de um corpo organizado na apresentação desses conceitos dificulta o entendimento. Seguidamente, aparece o fator das relações de proporcionalidade. “O pensamento proporcional é dificil. Isso aparece também na geografia com os mapas”, aponta Rezende.

A quarta dificuldade é, principalmente na química orgânica, entender as relações de espacialidade das moléculas, ou seja, que as moléculas são tridimensionais. Entender que as moléculas são espaciais é de suma importância na química, pois, além de outros fatos, uma molécula ser polar ou não, bioativa (com potencial farmacológico) ou não, depende das relações espaciais entre os átomos que a constituem. Compreender isso depende da pessoa conseguir enxergar essa molécula, tirá-la da representação bidimensional apresentada no papel e visualisá-la virtualmente em sua mente. “Existem pessoas que não têm a capacidade de olhar no plano e passar, no abstrato, para o espaço. Eu, por exemplo, não tenho. Pensa-se que se você treinar bastante, vai adquirir essa capacidade. Não vai. É uma dificuldade, não uma burrice. É a forma como o cerébro de alguns funciona. Nossa pesquisa mostrou que cerca de 80% das pessoas apresentam essa dificuldade”, esclarece a pesquisadora. Dessa forma, o estudo enfatiza o benefício do uso de modelos físicos e reais (ou virtuais, por meio da computação) de moléculas para facilitar a vizualização delas, “fazer alguém que não tenha essa visão espacial acreditar que um carbono quiral (com quatro substituentes diferentes em torno do carbono) é imagem especular de outro, ou seja, que essas moléculas nunca vão se sobrepor à outra, é muito difícil sem esse modelo. Com o modelo físico, nós trazemos para o concreto essas questões espaciais”.

A última dificuldade seria na compreensão da importância dos equilíbrios químicos: “as moléculas estão em movimento o tempo todo. Quando se fala em equilíbrio químico [situação em uma reação em que o número de moléculas que reagem é igual ao número daquelas do produto que voltam a recompor os reagentes], as moléculas não estão paradas. Como sempre se vê os desenhos em um potinho A e um potinho B, pensa-se que o equilíbrio é moléculas passando do potinho A para o B, quando na verdade, elas estão todas em um mesmo lugar”.

 O uso da semiótica

Além da representação, o grupo também incentiva os alunos a se expressarem através de diversas formas semióticas (estudo dos fenômenos culturais como se fossem sistemas de significação, isto é, signos), seja por meio da escrita, fala, desenho ou o audiovisual. Pretende-se que os alunos expressem seus modelos mentais, pois, uma vez expressos, esses modelos podem ser compartilhados, discutidos e ressignificados. Segundo a pesquisadora, com os métodos tradicionais de ensino, percebeu-se que os alunos constroem representações mentais muito equivocadas: “Por exemplo, é muito comum que as pessoas quando desenham dissoluções quebrem as moléculas, e isso não acontece pra todas as moléculas, como a de açúcar, por exemplo. Isso mostra que a pessoa não tem o conceito de solução molecular, não sabe diferenciar o que é íon e o que é molécula”, exemplifica.

A pesquisadora finaliza pontuando que o motivo pelo qual essas pesquisas não chegam às escolas são as condições precárias no ensino público. Como os professores não são fixos, devido às más condições de trabalho, eles não têm tempo de se aprofundarem e desenvolverem metodologias.

A pesquisadora finaliza pontuando que o motivo principal pelo qual essas pesquisas não chegam às escolas são as condições precárias de trabalho no ensino básico. Como os professores não são fixados a uma unidade escolar específica, não têm tempo de se aprofundarem e de se constituírem como corpo docente da escola, o que dificulta que desenvolvam metodologias mais adequadas para o ensino das disciplinas, reproduzindo, apenas, aulas tradicionais.

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