psicologia

 

 
por
Marcos Jorge


V
iver numa grande cidade é desconfiar constantemente. Seja em casa, por causa dos altos índices de violência que nos obrigam a trancar as portas, seja na concorrência profissional, por medo de um colega de trabalho nos passar a perna na disputa por uma vaga em determinada empresa.

Essa desconfiança é natural e totalmente compreensível, o problema é quando esse comportamento se agrava e o indivíduo desenvolve uma mania de perseguição. "Ter desconfiança é uma coisa comum, pode ser uma conseqüência de alguma experiência ruim, o importante é avaliar a intensidade dessa sensação e se ela é absurda ou não", explica o médico Erlei Sassi Junior, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da USP.

Na psiquiatria, essa sensação de se sentir perseguido é entendida como auto-referência e aparece como sintoma em diversas patologias, entre elas a esquizofrenia paranóide. "Esse paciente tem como característica o fato de ser mais desconfiado que as pessoas comuns, ele tem muito medo de ser enganado, passado para trás", completa o psiquiatra. Além do comportamento persecutório, o indivíduo também pode apresentar alucinações, visuais ou auditivas. Basta um círculo de colegas de trabalho se reunir para o paranóide achar que o grupo está falando mal ou tramando algo contra ele, ou quando vê duas pessoas cochichando tem a impressão de ouvir seu nome sendo citado.

É recomendável que o indivíduo que sofra com esse tipo de delírio procure conversar com alguém da área médica, mas mesmo isso pode ser um pouco complicado. Apesar do prognóstico favorável (responde melhor à terapia), o tratamento deste tipo específico de esquizofrênico tem suas complicações. "Os quadros delirantes em geral não tem uma redução, ou seja, não adianta falar para o paciente que suas impressões não são verdadeiras porque ele vai acreditar que você também faz parte da turma que está tentando enganá-lo", diz o psiquiatra.

A sensação de estar sendo perseguido pode até ser ilusória, mas algumas vezes ela pode ser fruto de uma situação real e traumatizante. É algo semelhante ao que aconteceu com Joana (nome fictício), funcionária do Centrinho, em Bauru. Em mais de 20 anos trabalhando no mesmo setor, Joana relata que era vítima quase diariamente de assédio moral. Segundo a funcionária, sua chefe restringia seu potencial e freqüentemente tentava prejudicá-la. Hoje, trabalhando em outra função, ela se sente feliz e está se realizando profissionalmente, mas ainda assim, continua se sentindo perseguida. "Eu tenho a sensação de que vai chegar alguém para ficar vigiando como eu estou trabalhando", desabafa Joana. Ela vê esse sentimento como um fantasma em sua vida, "é como se esse sentimento de fiscalização estivesse cristalizado dentro de mim", conta.

 
A mania de perseguição excessiva também pode indicar um quadro de transtorno de personalidade. Nesse caso, o indivíduo apresenta um caráter desconfiado e com tendência a distorcer os fatos e muitas vezes interpretar atitudes amigáveis como insultos ou manifestações de desprezo. No campo conjugal, ela pode desencadear uma desconfiança excessiva em relação à fidelidade do parceiro, ou seja, um ciúmes exagerado e infundado. É nesse ponto que o distúrbio passa a afetar o indivíduo socialmente, defende dr. Erlei. "Tem situações em que a desconfiança começa a ficar mais intensa e ela assume uma proporção negativa para o indivíduo e para quem ele mantém contato social." O psiquiatra ainda pondera, dizendo que quando não é exagerada essa supeita pode até ser benéfica, e ainda alerta: "Confiar demais também prejudica, mas desconfiar muito é problema".