Uma visão sobre a produção animal – diálogos e dilemas

primitivoSe nossos ancestrais não tivessem um dia preferido o bife à alface você não estaria lendo este texto. Aliás, o Portal Biossistemas nem existiria, porque ainda seríamos muito primitivos. Foi o aumento no consumo de gordura e proteína animal, ocorrido há 2 milhões de anos, que possibilitou o crescimento do nosso cérebro até chegar ao tamanho atual, segundo Rui Murrieta, professor de antropologia biológica da Universidade de São Paulo.

A última edição dos Diálogos Biossistemáticos, ocorrido na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, abordou a questão do sistema de produção de proteína animal e a influência do meio sobre o processo, sob os diversos aspectos.

O século XXI trouxe consigo novos paradigmas para a produção animal, até o momento colocados sobre a qualidade do produto e o bem-estar. Há um claro antagonismo aí – aumentar a produção, nos moldes que a praticamos atualmente, implica em minimizar o conforto dos animais, na maioria das vezes criados sob confinamento.

Talvez esse não seja o melhor sistema e alguns podem contra-argumentar que novas políticas têm sido instituídas para que os animais cresçam em melhores condições, em ambientes livres, assim como se estivessem na natureza, gerando ganhos em produtividade. Entretanto, para alguns especialistas, como os animais são geneticamente modificados para produção de carne e ovos sob esse sistema, não possuem um bom desempenho quando em condições diferentes das que oferecemos. Por terem uma genética tão refinada estão suscetíveis à uma maior exposição à doenças (devido a um sistema imunológico menos adaptado), dificuldade para locomoção (com seu rápido desenvolvimento de carne, os membros não suportam seu peso), maior estresse ambiental, dentre outros, nas condições de ambiente aberto.

Para se ter uma ideia, o sistema de produção de aves e suínos só se tornou viável em grande escala através do modelo de produção hoje adotado – o intensivo – caso contrário não trariam uma remuneração ao produtor que justificasse a atividade.

Não podemos negar que a carne é um alimento extremamente necessário ao ser humano e o seu consumo só tem aumentado. Segundo estimativas da FAO, hoje são produzidas 270 milhões de toneladas no mundo e, para atender à demanda em 2050, a produção deve sofrer um aumento de 200 milhões de toneladas – caso contrário haverá uma escassez de proteína de origem animal.

Mudanças de hábito

Uma alternativa adotada por muitos é a dieta vegetariana. Mas, ao que se sabe, os vegetais carecem de alguns aminoácidos importantes para nosso organismo, como o triptofano e a metionina, e se não repostos, podem nos deixar bastante debilitados. Independente do valor nutricional que a carne nos oferece, o ser humano a mantém em sua alimentação por prazer sensorial – em outras palavras – gostamos de comê-la. Seu consumo está também ligado à uma melhoria da qualidade de vida. Em países emergentes, por exemplo, com a ascensão de uma nova classe média os gastos familiares se voltam para uma melhoria da qualidade alimentar, refletindo no aumento do consumo de proteína animal. Ou seja, com o crescimento da população a demanda por carne aumentará. 

E quanto às alternativas? Não seria possível adotar criações animais adaptadas às condições regionais, como o camarão, jacaré, capivara, avestruz, sem ter que brigar com o meio ambiente para se produzir um bicho que não está adaptado a um determinado local?

A princípio sim. Esbarramos hoje, sobretudo, numa questão cultural. Nossos antepassados, há algum tempo, restringiram nossa alimentação em poucos grupos de animais, tais como os bovinos, aves e suínos, principalmente. Mas nem sempre foi assim. Imagine que há alguns séculos qualquer animal estaria no banquete, bastasse ter o azar de cruzar nosso caminho.

Para o professor Júlio C. C. Balieiro, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, nos próximos anos veremos uma grande mudança na base da alimentação mundial. Em países asiáticos, por exemplo, é comum a ingestão de insetos como fonte de proteína e num futuro próximo a tendência é vermos um aumento desse consumo. Se sentiu náusea ao pensar nisso, não se desespere! Temos muitas outras opções, certo? Em partes…

Um grande problema encontrado hoje é que certos animais esbarram em limitações da sua própria espécie para que sejam produzidos em escala. Para isso seriam necessários altos investimentos em pesquisa e avanço de gerações, incluindo seleção genética, estudo de ambiência, tecnologias de suporte, dentre outros, que poderiam esgotar a capacidade de exploração de uma empresa antes mesmo de acostumarmos nosso paladar.

A solução, portanto, pode estar espécies já conhecidas, como os peixes, cuja produção vem ganho força no mercado nacional (e que há pouco tempo ganhou até um Ministério).

Produção que alimenta a economia

No modelo de produção de carnes europeu encontram-se propriedades rurais em que o governo oferecia subsídios para a atividade. Devido à crise que abalou a economia mundial, os governos do velho continente não estão mais bancando a produção dos criadores e estes, por não terem mais como produzir e competir, têm deixado o campo.

Nenhum país do mundo consegue produzir proteína animal mais barata do que a nossa – mesmo com subsídios. Por que? O agronegócio brasileiro é altamente eficiente e tecnológico. Grande parte da tecnologia e soluções desenvolvidas por aqui hoje é exportada para outros países. E mesmo com poucos subsídios e alta carga tributária conseguimos dar conta do consumo interno, ganhar o mercado internacional e gerar quase metade do PIB brasileiro. Se repararmos, isso não ocorre em outros setores da economia. É claro que dois grandes aliados ao sucesso estão na escala de produção e nos desafios a serem superados, pois sem subsídios governamentais a busca por soluções surge como questão de sobrevivência dos produtores.

Será que para atender à demanda por proteína animal, num futuro próximo, teremos que aumentar nossos rebanhos? E os impactos ambientais gerados pela expansão destas atividades? O sistema produtivo comporta um aumento exponencial no número de animais? No futuro iremos nos alimentar de hambúrgueres produzidos em laboratório?

Karl Marx já dizia no século XIX que a Humanidade nunca se coloca problemas que já não tenha condições de resolver, pois as mesmas condições que geraram a consciência do problema são as que ajudarão a gerar soluções.

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