Entre as estórias de Guimarães Rosa há elos surpreendentes que se trançam de modo esquivo. Temas, ideias, tramas, imagens retornam num procedimento de orquestração que esboça uma musicalidade partitural e delineia uma simbólica rosiana. Em seu universo poético, duas linhas de força que se impõem e solidamente se vinculam são o Amor e a Saudade. Num traçado complexo e cheio de dobras (=pli), Eros atravessa o sertão de Rosa, promovendo ligações, separações e reencontros que desafiam a lógica do espaço-tempo. Neste trabalho, detenho-me na interpretação minuciosa de duas estórias de Tutaméia: Arroio-das-Antas e Se eu seria personagem. Entre elas procuro desvelar reveladoras intersecções e a partir delas teço conexões com diversas outras passagens da obra de Rosa.
As Primeiras estórias como atos genesíacos primordiais. O princípio do uno e do múltiplo
regendo a proliferação das estórias. Os quatro pilares fundamentais que sustentam a estrutura arquitetônica do livro: a catábase, o personagente, o psiquiartista e a alegria. O entrelaçamento destas noções e o seu desdobramento nas estórias. A estória medial – “O espelho” – e as duas estórias extremas – “As margens da alegria” e “Os cimos” – como o princípio ativo do livro a partir do qual as outras dezoito estórias seguem-se umas às outras num percurso progressivo de desvelamento e engrandecimento do homem. A seqüência das estórias e a sua orquestração conjunta na composição de um enredo harmônico. As correlações internas entre as estórias. O destino ascensional da alma e os ecos plotinianos na obra
rosiana.
GUIMARÃES ROSA AND LITERATURE AS LIFE Guimarães Rosa’s stories beget a poetic-existential project, which unveils itself in the story “The mirror”, core of the book First stories. In this story
an idea is launched which proposes life as a continuous exertion of creativity, of which depends the conquest of autonomy and the genesis of a self, who brings his existence forth as the author of his own becoming. After presenting the Rosian story and the constellation of poetic concepts it gives rise to, and besides examining the passionate critical operation its reading requires, the present essay assumes the task of interpreting two stories, one from First stories, the other from Tutameia. Third stories ‡ “Darandina “ and “‡ Uai, eu?” ‡ showing the Rosian project in action in two radically distinct situations, which nevertheless retain sufficient similarity to highlight and
embody the primordial idea they proceed from and also to suggest a kinship between first and third stories, associated in what we might name the Rosian pedagogy of existing.
As Primeiras estórias como atos genesíacos primordiais. O princípio do uno e do múltiplo regendo a proliferação das estórias. Os quatro pilares fundamentais que sustentam a estrutura arquitetônica do livro: a catábase, o personagente, o psiquiartista e a alegria. O entrelaçamento destas noções e o seu desdobramento nas estórias. A estória medial – “O espelho” – e as duas estórias extremas – “As margens da alegria” e “Os cimos” – como o princípio ativo do livro a partir do qual as outras dezoito estórias seguem-se umas às outras num percurso progressivo de desvelamento e engrandecimento do homem. A seqüência das estórias e a sua orquestração conjunta na composição de um enredo harmônico. As correlações internas entre as estórias. O destino ascensional da alma e os ecos plotinianos na obra rosiana.
A travessia para o silêncio e para a solidão se oferece como uma forma extrema de inventar
uma nova modalidade de existir. O pai, que toma a decisão insólita de cursar no rio “solto
solitariamente”, assume o desempenho das águas que vivem de correr e morrer. Adotar o rio
como morada é morrer: niilificar-se para plenificar-se. Não admira que os familiares, aderidos ao
agora, escravos da permanência, não o compreendam: “aquilo que não havia, acontecia”. O filho
mais velho atinge o limiar de uma intuição reveladora, mas retrocede diante do “salto mortale”.
Contudo, quem não morre não chega a existir. E cabe a indagação: o que “se dá” nesta travessia
para o silêncio e para a solidão que anima e sustenta um gesto tão extremado?