“Tudo é e não é”. Analisar algumas imagens de Deus em Grande sertão: veredas foi o objetivo desta
comunicação. Isso foi feito numa tentativa de análise interdisciplicar. A partir do romance rosiano,
sob a luz hemenêutica da critica literária e da reflexão teológica, tentamos indicar que a literatura de Rosa apresenta Deus de modo ambíguo. Esse assertiva é possível, pois se percebeu na provisoriedade humana, advogada pelo escritor e expressa em Riobaldo, o núcleo de propagação desse modo de ver. Ao rememorar e ressignificar sua vida, Riobaldo abre espaço ao Mistério. Em cada travessia reflete sobre o mesmo sem enquadramentos teológicos e filosóficos definitivos. O “Deus que roda tudo” está misturado no mundo e só pode ser percebido pelo seu constante movimento entre o obscuro e o revelado. Com isso, o texto rosiano apresenta imagens de Deus que salvaguardam seu caráter duplo e ambíguo.
Objetiva-se analisar o diálogo existente entre Grande sertão: veredas e A Morte em Veneza, na perspectiva dos estudos comparados. Guimarães Rosa apresenta forte relação com a cultura alemã, como se vê em algumas das narrativas de Ave, Palavra, em Grande sertão no qual a cultura alemã é representada pelo episódio do Seo Vupes, nos diários escritos na Alemanha, na Segunda Guerra, quando Rosa foi diplomata neste país, as correspondências com seu tradutor alemão que evidencia o conhecimento do escritor mineiro acerca da língua alemã. Thomas Mann é igualmente marcado pela cultura brasileira, como argumenta Miskolci. A figura da mãe Júlia Mann, brasileira de ascendência portuguesa, aparece na obra de Mann pintada como o elemento estranho, de onde provém o gérmen artístico. Em Dr Fausto, a prostituta de quem Leverkühn contrai a doença, tem seu nome relacionado à borboleta de origem brasileira. Alguns estudos relacionam os dois escritores: Soethe propõe o diálogo entre Grande sertão e a Montan
Nos vinte e seis poemas de O BURRO E O BOI NO PRESÉPIO (Catálogo esparso), publicados
postumamente em Ave palavra, o olhar do poeta João GUIMARÃES ROSA percorreu formas, volumes,
cores, linhas, perspectivas, luzes e contrastes de quadros medievais e renascentistas e fixouse
nas imagens do burro e do boi, redimensionando-as poeticamente. Nessa re-dimensão dada aos
quadros pelo poeta, perpassam relações entre a literatura e as artes plásticas, entre a poesia – e a
poesia de João Guimarães Rosa – e a pintura, aspectos estes entranhados nas formas de realização
artística do Modernismo brasileiro que representam um modo de construção poética singular na literatura brasileira do século XX. Poeticamente, o autor/poeta, numa perspectiva intertextual, fundiu estilos literários e pictóricos e recriou, por meio de sua particularíssima linguagem, aspectos da região do interior de Minas Gerais, estabelecendo ligações de espaço e de tempo diversos, traduzindo a pintura para a poesia, por meio
Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise comparativa da atuação de Soropita e de Iládio na novela “Dão Lalalão, (o Devente)”, presente em Noites do Sertão, para evidenciar de que forma o embate entre essas duas personagens, ao final da narrativa, parece encenar um ritual que institui a crise do poder coronelista, porque suprime a proximidade do trato diário e institui um distanciamento que supostamente evidencia a entrada da lei do Estado no sertão. Para tanto, toma-se como referencial teórico a noção de homem cordial, cunhada por Ribeiro Couto e discutida por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.
O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre o caráter ambíguo da violência no Grande sertão: Veredas e a forma narrativa do livro. Na obra-prima rosiana, às vezes, a violência, exibida em sua fisionomia codificada e rotineira, quando não estetizada, mas, de algum modo, ainda assimilável, situa-se nas fronteiras da representabilidade. Em outros momentos, contudo, isso não acontece: a linguagem esbarra em seus próprios limites e titubeia ante uma ferocidade a tal ponto desnorteante que se apequenam melancolicamente para o narrador as possibilidades de comunicá-la. Esse desamparo lingüístico pode assumir literariamente as feições de um trauma. É dessa noção, portanto, conforme pensada a partir do século XX pela Psicanálise e pela Historiografia de que lançamos mão para analisar algumas das imagens e (des)construções formais atadas à truculência e guerra no sertão roseano. Em outras palavras, somos aqui conduzidosrumo aos limites do conceito de representação, ao tocarmos a facies
João Guimarães Rosa inscreve-se no panorama literário brasileiro como escritor que reinventa o idioma. Caracterizando-se como um sistema, a literatura abriga em seu cerne um código literário. Diante deste código, o autor pode assumir condutas diferentes. Guimarães Rosa age no sentido de transformar as convenções estéticas e normas que o código prescreve no seio do sistema, explorando, por exemplo, as potencialidades da Língua, procurando cadenciá-la ao pensamento da personagem, construindo assim uma sintaxe que transborda de força estética, manifestação da dissolução de fronteiras que o autor propõe. Esta comunicação tem por objetivo entrever no discurso de Soropita, herói de Dão-Lalalão(Lão-Dalalão), marcas da violência de sua trajetória como ex-pistoleiro, bem como seu projeto de ser homem, sua virilidade, e as estratégias de inserção que a personagem utiliza para se estabelecer no sistema social brasileiro.
"Azo de Almirante", quarto conto de Tutaméia (Terceiras Estórias), efetiva-se através de dois tempos narrativos que se alternam. O primeiro deles apresenta a derradeira ação do protagonista, aquela que o conduzirá à morte, à procura do brejo situado à margem do rio. Neste primeiro tempo há o registro do final de um dia repleto de luz e também do final de uma vida marcada pela batalha, sem, no entanto, abdicar dos valores individuais. Hetério, protagonista do conto, morre feliz por auxiliar um amigo a raptar sua mulher. O segundo tempo presente na narrativa consiste na retomada da vida deste mesmo protagonista a partir do momento em que nela ocorreu uma reviravolta: uma enchente levou-lhe mulher e filhas. Deste acontecimento em diante, conforme relata o narrador heterodiegético, Hetério abandonou seu "fastio de viver, sem hálito nem bafo". Disse não a uma possível resignação fatalista frente ao destino. Adentrou-se no rio com sua canoa e posterior frota, entregando-se a um constante agi
A proposta deste artigo é ler “A hora e vez de Augusto Matraga” como uma narração do sertão que o define como um espaço geográfico específico, mas também, e principalmente, como um espaço simbólico e imaginário relacionado à nação. Para tal delimitação, salientamos as fronteiras e as diferenças que o texto narra e que acabam por solapar classificações dualistas na interpretação do Brasil. Assim, atentamos, principalmente, para as caracterizações da personagem que dá título à novela, pois lemos a estória seguindo sua trajetória, passeando pelo sertão: imaginando códigos e leis baseados na oralidade e não na institucionalidade e na escrita. Por esse viés, olhamos a violência e a vingança pessoal como estratégia narrativa que define fronteiras simbólicas: o sertão é a fronteira imaginária de uma geografia mítica, espaço fora-da-lei, mas, ao mesmo tempo, síntese nacional.
A comunicação explora o tema do duplo em "Estória Nº 3", conto de Tutaméia, de Guimarães Rosa. Perseguido pelo vilão do lugarejo, assassino e violador de mulheres, o acovardado protagonista consegue reverter seu trágico destino, ao perceber que ele e o outro são, na verdade, um mesmo. A análise privilegia aspectos psicanalíticos presentes na composição do duplo e, para tanto, recorre a conceitos da teoria freudiana.
Lançada em 1954, integrando o livro Corpo de Baile, a novela "Cara-de-Bronze" é geralmente citada por seus estudiosos por sua requintada experimentação de linguagem e de forma, e por guardar em si possibilidades de uma hermenêutica que nos leve ao entendimento da composição das outras narrativas de Corpo de Baile. Um dos pontos que nos levam a entender a relação desta narrativa com as outras do livro é a percepção de que o estado lúdico previsto pelo estético faz parte do cotidiano sertanejo apresentado, sobretudo na criação e narração de estórias (como acontece com o personagem Grivo e com o violeiro Quantidades), como maneira de buscar uma fuga para as mazelas da realidade circundante. Esses movimentos de invenção de estórias estão justamente dentro do plano estético alcançado, entendendo, segundo Schiller, nessa criação, a necessidade de um plano lúdico. Nesse viés, faremos o diálogo de Guimarães Rosa com as teorias do filósofo alemão Friedrich Schiller (1759-1805), sobretudo em Car
Em 1956, João Guimarães Rosa publica Corpo de baile, um conjunto de sete narrativas que, ao
longo dos anos, tem suscitado diversas interpretações. Segundo Paulo Rónai (1956), as personagens
da obra vivem "[...] a séculos de distância de nossa civilização urbana e niveladora." Para
Luiz Roncari (2007), os elementos históricos condicionam o modo de ser e de agir das personagens.
Tomamos como corpus as novelas “Dão-lalalão – o devente” e “Buriti” a fim de investigar
de que maneira, na construção e atuação dos protagonistas, respectivamente Soropita e Miguel, o
realce dado à imaginação (fantasia e memória) entrelaça-se a elementos históricos diluídos nas
narrativas e interfere na percepção de fatos, lugares, temporalidades e na relação com as personagens femininas: acredita-se que a maior ou menor ênfase nos conteúdos da imaginação, bem como
a presença ou ausência de marcas históricas significativas, acarreta determinados efeitos discursivos e estruturais, que conformam e increment
A travessia para o silêncio e para a solidão se oferece como uma forma extrema de inventar
uma nova modalidade de existir. O pai, que toma a decisão insólita de cursar no rio “solto
solitariamente”, assume o desempenho das águas que vivem de correr e morrer. Adotar o rio
como morada é morrer: niilificar-se para plenificar-se. Não admira que os familiares, aderidos ao
agora, escravos da permanência, não o compreendam: “aquilo que não havia, acontecia”. O filho
mais velho atinge o limiar de uma intuição reveladora, mas retrocede diante do “salto mortale”.
Contudo, quem não morre não chega a existir. E cabe a indagação: o que “se dá” nesta travessia
para o silêncio e para a solidão que anima e sustenta um gesto tão extremado?
Nota-se, na contemporaneidade, um complexo sistema de interações, em que os meios eletrônico-digitais, associados a formulações visuais, sonoras, espaciais e verbais têm proposto um novo paradigma nas artes e na Literatura. Os diferentes olhares lançados sobre a obra de Guimarães Rosa dão a dimensão desse constante processo de reconstrução da obra literária, que ressurge ora em seu aspecto artesanal, ora no industrial, ora eletrônico-digital. Pretende-se, a partir da análise das relações entre Grande Sertão: Veredas, de Guimarães, e suas transcodificações plásticas, produzidas por Arlindo Daibert, e imagético-interativo-espaciais, por Bia Lessa, promover reflexões sobre a tradução do texto literário para outras Artes, especificamente as artes visuais – imagem e instalações - que se utilizam ou não dos recursos midiáticos ou tecnológicos, evidenciando uma intensa interface entre ambos os campos.
No romance Grande Sertão:Veredas , de Guimarães Rosa, dentre os diálogos que o personagem protagonista Riobaldo estabelece, dois merecem destaque, aquele feito com o Diabo, um ser que,segundo o próprio Riobaldo, existe e não existe, conforme a maneira como a linguagem o busca, e um outro feito com ele mesmo, na intenção de conhecer a sua própria existência. Ao buscar um diálogo com o ser e o não-ser do Diabo, Riobaldo chega, consequentemente, a um diálogo consigo mesmo, posto que há a possibilidade de se ter feito um pacto com o Diabo, como fora dito, um ser que "é e não é". A dúvida do pacto com aquele que pode não existir, leva o personagem rosiano a uma dúvida quanto à própria existência, dessa forma, em sua narrativa, ele procura o sentido do existir, duvidando, muitas vezes, de sua veracidade. Ao especular sobre sua incerteza, Riobaldo acaba por chegar a uma catarse de seu ser, adquirindo a consciência de que o que existe, por fim, é o ser humano em sua travessia.
O trabalho apresenta a importância da natureza para o percurso de aprendizagem da
personagem Miguilim de "Campo geral". Tal percurso permite, entre outras características,
aproximar esse romance do bildungsroman. Em seu percurso de formação, Miguilim procura
vencer os obstáculos de passagem da infância para o mundo dos adultos e precisa encontrar dentro
de si a força para ultrapassá-los, em meio às angústias que o atormentam e sob condições
agravantes da pobreza do sertão. A magia da natureza, fruto de superstições ou contada em causos
de terceiros, que se encontra no limite, sempre rosiano, da razão e está presente nessa e em outras
narrativas de Guimarães Rosa, tem participação ativa no trânsito da personagem Miguilim entre o
mundo da infância e seu imaginário para a realidade do mundo dos adultos.
Este trabalho retorna à já muito analisada correspondência de Guimarães Rosa com seu tradutor italiano, Edoardo Bizzarri, buscando compreender como convivem ali dois imperativos aparentemente contraditórios, expressos nas seguintes duas passagens: (a) “a orientação válida é mesmo aquela – de só pensarmos nos eventuais leitores italianos. Não se prenda estreito ao original. Voe por cima, adapte quando e como bem lhe parecer” (p. 7); e (b) admirável é a tradução em que “nada do texto original se evaporou, nada foi omitido, tudo ficou preservado... e prestigiado!” (p.13). Uma forma comum de compreender a convivência desses dois pontos de vista no pensamento de Rosa sobre a tradução é vê-la como oscilação entre dois pólos irreconciliáveis. Exploramos neste trabalho a hipótese de que as reflexões do autor sobre a atividade tradutória possam ser tomadas de uma forma alternativa, em que o aparente paradoxo possa ser, se não resolvido, pelo menos dissolvido. Discute-se a relevância contemporân