O artigo analisa, comparativamente, dois feiticeiros negros da literatura brasileira: Joaquim
Cambinda, personagem de A carne, de Júlio Ribeiro, e João Mangolô, do conto “São Marcos”, de João
Guimarães Rosa. No primeiro caso, vê-se um retrato estereotipado da prática religiosa de matriz africana, ao passo que, no segundo, tem-se um processo de resistência à opressão racial promovida justamente pelo exercício de linguagem envolvido no manejo da palavra mágico-religiosa.
Leitura do tempo e do paradoxo a partir da teoria ricoeuriana. Em Grande sertão: veredas, analisa-se a criação de um ponto de observação e elaboração narrativa fora do fluxo temporal. Em Nós, os do Makulusu, estuda-se o processo de desintegração da linearidade temporal em função da experiência traumática da guerra.
Esta tese propõe uma leitura crítica do tempo e do paradoxo em dois dos mais importantes romances em língua portuguesa do século XX: Grande sertão: veredas, do brasileiro João Guimarães Rosa; e Nós, os do Makulusu, do angolano José Luandino Vieira. Como base teórica, parte-se de três importantes obras de Paul Ricoeur: A metáfora viva (1975), Tempo e narrativa (3 vols.: 1983, 1984 e 1985) e O si-mesmo como um outro (1990). Em Grande sertão: veredas, analisa-se como o narrador cria para si um ponto de observação situado fora do fluxo temporal, a partir do qual busca conferir sentido a sua experiência. Como resultado, percebe-se um modelo narrativo que se caracteriza por uma recursividade que segue um percurso em espiral, alterando os próprios eventos a cada novo torneio narrativo. Analisa-se também a forma como o autor transfigura eventos históricos referenciais para que possam servir de matéria-prima para sua escrita ficcional. Por fim, desenvolve-se um estudo de como o narrador busca, com maior ou menor êxito, diferenciar-se da coletividade que o cerca. Em 'Nós, os do Makulusu', a atenção se volta para o processo de desintegração da linearidade temporal em função da experiência traumática da guerra. Tendo como suporte várias formas de disjunção, a voz narrativa promove deslocamentos temporais tanto para o passado da memória quanto para o futuro da especulação fictícia. Especial atenção é dedicada à maneira como Luandino Vieira lida com o bilinguismo angolano para compor seu estilo bastante particular de escrita.
Em entrevista a Günter Lorenz, João Guimarães Rosa justifica o uso recorrente que faz do paradoxo
definindo-o como um dispositivo capaz de expressar algo para o qual não existem palavras. Anos
mais tarde, em seu livro A Metáfora Viva, o filósofo francês Paul Ricoeur, insatisfeito com a
concepção da metáfora como simples ornamento do discurso, propôs revitalizá-la aproximando-a
do paradoxo. A verdadeira metáfora, a metáfora viva, constituir-se-ia não apenas por uma relação
de similaridade entre dois termos, mas também pela dessemelhança observável entre eles. Partindo
da afirmação de Rosa e das reflexões de Ricoeur, desenvolvo no presente trabalho uma análise da
construção do tempo em Grande sertão: veredas.