Por articular diferentes temporalidades num mesmo texto e a mesma subjetividade num mesmo personagem, Guimarães Rosa criou narrativas temporalmente complexas e modernas, considera Susana Kampff Lages.
O presente trabalho pretende iniciar uma reflexão sobre a importância da multi- plicidade lingüística e do processo de tradução nos escritos de João Guimarães Rosa. Pretende-se apontar para a vocação da obra rosiana para um diálogo multilíngüe entre diversas culturas e literaturas do presente e do passado.
A novela “O recado do morro” de Guimarães Rosa, pertencente ao ciclo de O corpo de baile, é “a estória de uma canção a formar-se”, como declara o próprio autor. Essa “canção” desdobra-se em dois planos, dois textos paralelos: a narrativa do “recado” e o próprio “recado”, ambas realizando-se por meio da tradução (mediação, transmissão, decifração). De um lado, trata-se da salvação de Pedro Orósio da trama armada por sete rivais, com a finalidade de matá-lo, porque consegue agir no momento exato graças à decifração ou tradução de uma mensagem; de outro, da constituição da identidade do protagonista, cujo trajeto percorrido espacialmente corresponde a um percurso de aperfeiçoamento interior: ao ser capaz de traduzir a mensagem, ele passa da condição de ignorante à de senhor do próprio destino. Neste artigo esse processo de formação é tratado como uma tradução, ou seja, como um processo de construção da interpretação adequada de um texto.