NESTE ENSAIO, A AUTORA ANALISA PROVÉRBIOS E AFORISMOS PRESENTES EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS, DE GUIMARÃES ROSA, E EM JOÃO VÊNCIO: OS SEUS AMORES E NÓS, OS DO MAKULUSU, DE LUANDINO VIEIRA, ENQUANTO FORMAS TIPICAMENTE ORAIS APROPRIADAS PELO GÊNERO ROMANCE, REVELANDO SUA FUNÇÃO ESTRUTURAL NOS TEXTOS E OS MODOS DE SUA APROPRIAÇÃO PELA ESCRITA.
Este ensaio procura demonstrar, por meio da análise de certos procedimentos de criação lingüística e de elaboração estilística presentes em Grande sertão: veredas, que a linguagem do romance (1) não é única nem unívoca, mas se modifica nos diferentes episódios do livro, plasmando, assim, os significados específicos de cada uma das partes do texto; e (2) vincula-se intimamente a aspectos estruturais dessa narrativa, relacionando-se, por exemplo, a questões de gênero.
Este trabalho pretende analisar duas adaptações cinematográficas do romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa: o longa-metragem Grande sertão, dirigido, em 1965, por Geraldo e Renato dos Santos Pereira (p&b, 92 min) e o curta-metragem rio de-janeiro, minas (1993, cor, 9 min, dir. Marily da Cunha Bezerra), almejando, por um lado, esclarecer certas questões sobre a adaptação do romance para a tela e, por outro, à luz do conceito de Lukács segundo o qual “as obras de arte são revitalizadas quando correspondem a ansiedades similares àquelas do período em que foram originalmente produzidas”, buscando avaliar a relação de cada filme com os contextos nos quais foram produzidos e a possibilidade de considerar essas obras, tanto quanto o Grande sertão de Rosa, como "retratos (moventes) do Brasil".
Esta tese analisa aspectos da chamada cultura oral em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e em A vida verdadeira de Domingos Xavier, João Vêncio: os seus amores e Nós: os do Makulusu, do escritor angolano José Luandino Vieira, buscando mostrar que o substrato de oralidade aparentemente presente nesses textos é um efeito criado pela ficção e só existe, portanto, como artefato literário. O primeiro capítulo, "Mundos em Destruição", procura justificar, mediante uma abordagem pessoal, a pertinência do tema e a perspectiva comparativa desta tese, mostrando resumidamente algumas relações de influência que se estabeleceram entre as literaturas do Brasil e de Angola ao longo dos séculos de sua história colonial e também entre os autores em estudo. No segundo capítulo, "Novos Demiurgos: Guimarães Rosa", analiso os traços supostamente orais da linguagem do Grande sertão: veredas sob os aspectos lexical, sintático e estilístico, mostrando que o caráter oral desses traços é fruto da invenção lingüística de Guimarães Rosa e obedece a necessidades internas de construção do sentido nos diversos episódios do romance. No terceiro capítulo, "Novos Demiurgos: Luandino Vieira", adoto o mesmo tipo de abordagem para as obras de José Luandino Vieira, destacando-se a estilização de traços do português falado em Luanda e da língua quimbundo nos textos do autor angolano. No quarto capítulo, "Arqueologia da Composição", são analisadas algumas formas maiores da oralidade estilizadas nos textos em estudo (motes, canções, epítetos, provérbios, perguntas) em sua relação com os gêneros narrativos das obras lidas, numa perspectiva mais abertamente comparativa entre os dois autores. O último capítulo, "Ruína e Construção", sintetiza as conclusões deste trabalho.