No presente artigo é nossa intenção contribuir para a complexa discussão sobre a espiritualidade e o engajamento do escritor Guimarães Rosa (1908-1967). Para tanto, analisaremos suas ideias sobre credo, poética e política, expostas na longa entrevista que o escritor brasileiro concedeu ao crítico alemão Günter Lorenz em janeiro de 1965, na cidade de Gênova. Guimarães Rosa é conhecido como um escritor espiritual e não engajado, contudo, pretendemos mostrar que, em certo sentido, ele não somente é um escritor espiritual, como também é um escritor engajado.
Para Edward Said, intelectual é aquela figura cujo desempenho público não pode ser previsto nem forçado a enquadrar-se numa linha partidária ortodoxa ou num dogma rígido. Em As representações dos intelectuais, no entanto, ele se confessa desanimado com essa percepção, pela tendência que observa nesta classe de promover a alta cultura, deplorando o “homem comum” e a cultura de massa. Neste artigo, discutimos brevemente as estratégias de posicionamento crítico e autocrítico de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector frente ao problema, a partir de uma abordagem comparativista do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” e da crônica “Um grama de radium – Mineirinho”.
Esse trabalho analisa como o crítico e músico José Miguel Wisnik aborda em sua obra a
literatura através das figuras canônicas Machado de Assis e Guimarães Rosa. Para tanto, o
método utilizado foi o de análise de ensaios do crítico paulista que versassem sobre a
importância da literatura brasileira. O corpus é composto pelos ensaios “Machado maxixe”,
de 2004 e “O famigerado”, publicado em 2001, além de entrevistas e resenhas da obra de
Wisnik. Mesmo fazendo incursões imanentistas no texto, em alguns momentos, buscando
pistas nas construções literárias e valorizando a forma de escrever de ambos, o crítico
aproveitou o que seria o fundo histórico para destacar as saídas positivas para o Brasil. Em
nenhum momento se observa a falta de cuidado com a especificidade do literário problema
percebido na crítica positivista, naturalista e no marxismo vulgar, nem um formalismo que
confina o literário num contexto socialmente irrelevante e etéreo. A dialética interpretativa,
identificada na obra de Wisnik, aliada ao seu conhecimento de teoria musical e a um
posicionamento mais positivo perante a história brasileira, portanto, configura uma
perspectiva interpretativa em diferencial.
Este ensaio propõe um exercício crítico a partir da escuta das questões que se manifestam em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Para tanto, reflito sobre o que vem a ser o exercício de escuta crítica originária, pensando em escuta como o se deixar invadir pelo real acontecendo,
e como podemos fazer uma leitura crítica poética, por meio do diálogo com a obra literária, que prevê o pensar como o deixar-se tomar pela linguagem, como logos.
O trabalho depreende, de parte da fortuna crítica dedicada à obra
do contista Samuel Rawet, as ocorrências de aproximações e tensões críticoliterárias, em nível comparativo, à do escritor João Guimarães Rosa. Como
recorte, elege alguns trabalhos do crítico Assis Brasil, um dos estudiosos mais
influentes de Rawet, para extrair tais ocorrências. Para tanto, discute o conceito
elaborado pelo pesquisador para a “Geração de 1956”, situando esta noção
conceitual no panorama da literatura brasileira. Desta geração, seriam os dois
escritores os representantes máximos na narrativa da nova literatura nacional,
sendo Rosa, no romance; e, Rawet, no conto. Embora, ao leitor mais
desatento, a relação estabelecida entre esses dois nomes pareça insólita, e
tendo em vista o fato de que os mesmos produziram outros gêneros literários,
procuramos demonstrar, com a investigação e análise do material
historiográfico, que, de certo modo, tal relação se configura recorrente no
campo da crítica literária estabelecida pelo pesquisador em questão. Por fim,
conclui que, pelo menos no plano da recepção crítica, Rawet e Rosa,
igualmente, são considerados grandes escritores, responsáveis por polêmicas,
significativas e profícuas transformações na literatura brasileira.
Centro de Comunicação e Expressão. Programa de Pós-Graduação em Literatura
Esta tese busca problematizar um estudo comparado entre a Divina commedia e o Grande sertão: veredas a partir da noção de "Homo viator". Para tanto, nossa análise se concentrou sobre a percepção do aprimoramento do viajante que é também o protagonista nas duas obras Este viajante ficcional é concebido segundo um feixe de relações que Dante-autor e Guimarães Rosa realizam ao compor suas obras, de maneira que nos primeiro e segundo capítulos nos detivemos em alguns destes elementos, a saber: a presença da noção de êxodo bíblico bem como do viajante náutico greco-latino na caracterização deste viajante, o recurso ao narrador-protagonista e a composição das obras como literatura de viagem. Para analisar estes elementos nos utilizamos dos postulados da literatura comparada, da teoria dos arquétipos e da metafísica platônica. Por fim, no terceiro capítulo, realizamos um confronto entre dois episódios das referidas obras: a viagem de Ulisses presente no canto XXVI do Inferno e a viagem ao Liso do Sussuarão presente no Grande sertão: veredas. Este estudo tem por finalidade apresentar o "Homo viator" como metáfora da incansável busca humana da verdade.
Setor de Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras
Dispondo-se a realizar uma leitura global de Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, a partir do problema crítico levantado - que se exprime na pergunta-problema "qual o princípio organizador que rege a dinâmica unidade-diversidade em Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa?" - esta pesquisa tem por objetivo geral compreender aspectos da organicidade das estórias no conjunto do livro, o que se realiza por meio dos seguintes objetivos específicos: 1) defender a dualidade como linha interpretativa; 2) analisar como a dualidade atua nos diversos elementos composicionais da narrativa, especialmente, o enredo, o ponto de vista, a arquitetura do livro e os personagens; e 3) apresentar uma interpretação para o projeto literário que a obra representa. Nessa tarefa, segue um percurso que se divide em quatro grandes etapas, vinculadas aos indícios que encaminharam à construção dessa linha interpretativa. Metodologicamente, optou-se por organizar as análises a partir dos quatro níveis de composição elencados, a saber: 1) o enredo, em que se desvendou o paralelismo de dois enredos, seja nas segundas estórias ou no desenredo; 2) o ponto de vista, marcado pela ambivalência espacial de uma narrador que se aproxima, mas se mantém a distância; 3) a arquitetura composicional, dualizada entre a força unitária de cada conto e a complexa inter-relação e organicidade das partes no conjunto; e, por fim, 4) a caracterização dos personagens, problematizada, dentre outros polos, entre o Bem e o Mal. Assim, não só se confirmou a extensividade do princípio formal da dualidade em Primeiras Estórias, como se pôde perceber sua efetividade em fornecer uma linha interpretativa clara e exequível para análise literária dos diversos contos, tendo em vista, além de uma leitura global, a matéria histórica figurada nessas narrativas. A partir desses resultados gerados pelo exercício hermenêutico foi possível, ao fim, esboçar a sugestão de uma interpretação geral para o projeto literário de Rosa neste primeiro livro de contos curtos, que tem a dualidade ficçãorealidade como matriz de representação de uma cosmovisão dos sujeitos e da realidade social brasileira também ambivalente, sinalizando, portanto, um projeto inovador muito bem executado e a altura das expectativas que 1956 possa ter gerado aos leitores de Guimarães Rosa.