Estabelecemos relações entre memória, cultura e arquivo para refletir sobre o Arquivo Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Memória é a possibilidade de dispor de conhecimentos passados que permitem ao homem construir a cultura, que, quando viva, é aberta ao futuro, mas ancorada no passado, dependente de algum tipo de acumulação, que pode se dar por meio dos velhos ou pelo material conservado nos mais variados acervos – arquivos, museus, bibliotecas. Guimarães Rosa, anotando, recortando, classificando e conservando uma grande quantidade de documentos, construiu uma forma de memória objetiva para uso posterior na produção literária, uso que realizou de maneira muito especial no que se refere ao sertão.
A partir da análise de imagens do filme Diários de motocicleta, de Walter Salles, são discutidos os sentidos da travessia do rio Amazonas pelo estudante Ernesto Guevara de La Serna, quando dialoga com as travessias da obra de Guimarães Rosa e, em especial, com o conto "Orientação", da coletânea Tutaméia. O rio Amazonas é nuclear para essas observações. Em torno dele, são enfocados ainda os romances A jangada, de Júlio Verne; o filme Fitzcarraldo (o preço de um sonho), de Herzog; e escritos de Euclides da Cunha. Um dos temas centrais de Guimarães Rosa, a travessia, serve de motivo para a discussão de papéis do intelectual e da integração latino-americana.
Este artigo investiga o modo como a categoria espaço é tratada em estudos críticos que abordam a obra literária de Guimarães Rosa. Especificamente, analisa as observações concernentes ao espaço compreendido como categoria empírica, ou seja, como série de referências que, detectáveis pelos sentidos humanos, associam-se a localização, extensão, distância, circunscrição. Tal análise abarca o debate sobre temas como representação, realismo, humanismo,regionalismo e universalismo.
Com apoio em entrevistas, correspondência e álbuns de recortes constantes do Fundo João Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, pretende-se inicialmente apontar elementos relativos ao traçado de um perfil de leitor postulado pelo autor para sua própria obra. Em seguida, são focalizados caminhos e estratégias utilizadas por Rosa para atingir esse mesmo leitor.
Guimarães Rosa empreende, ao longo de toda a sua obra, verdadeira cruzada em prol da reflexão, desencadeando, através da linguagem, um processo de desconstrução, que desvela constantemente sua própria condição de discurso e seu conseqüente caráter provisório. Para Guimarães Rosa, "somente renovando a língua é que se pode renovar o mundo", e é com esse intuito que ele se entrega de corpo e alma à tarefa de revitalização da linguagem, que vê como verdadeira missão, ou, em suas próprias palavras, "compromisso do coração".
Embora a obra de Rosa dedique um espaço importante ao problema amoroso e erótico, não são muitos os estudos dedicados ao romance breve Dão-Lalalão, onde as personagens Soropita e Doralda vivem e experimentam um amor carnal, perfeito, esponsal, que lhes permite alcançar a perfeição do desejo. Rosa reescreve o desejo, não como obstáculo ou limite à perfeição da alma, nem como separação maniquéa entre o corpo impuro e o espírito afastado do corpo, mas como saudade última de bem, de satisfação, de radicalização da realidade.
Este estudo tem o objetivo de mostrar os vínculos que podem ser estabelecidos entre a figura da elipse, em suas diversas acepções, e aobra Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa.
Em "Meu tio o Iauretê" de João Guimarães Rosa temos a vercom a confissão, por parte de um mameluco, da sua metamorfose dehomem em onça. No fim da sua fala ele é morto pelo seu interlocutormudo. A partir deste conto “impossível”, vai ser investigada a relaçãoentre a morte e a linguagem. No texto rosiano, de fato, não descobrimosapenas o parentesco essencial entre a phoné e o lógos que nela se dobra,mas nos aproximamos, sobretudo, do limiar último em que a voz seconfunde com o silêncio, em que o humano reencontra a sua essênciadesumana. Temos a ver, nesse sentido, com aquele que Giorgio Agambendefine como a "testemunha integral", ou seja, com quem se coloca nolimite insituável entre a vontade de dizer e a sua impossibilidade.
Uma visão retrospectiva da crítica dedicada à obra de João Guimarães Rosa desde 1945 até 2005, à base de recortes do Instituto de Estudos Brasileiros, distinguindo fases nítidas de orientação teórico- crítica na evolução de sua significação literária.
Este ensaio procura demonstrar, por meio da análise de certos procedimentos de criação lingüística e de elaboração estilística presentes em Grande sertão: veredas, que a linguagem do romance (1) não é única nem unívoca, mas se modifica nos diferentes episódios do livro, plasmando, assim, os significados específicos de cada uma das partes do texto; e (2) vincula-se intimamente a aspectos estruturais dessa narrativa, relacionando-se, por exemplo, a questões de gênero.
O ensaio pretende apontar como a estratégia narrativa da obra-prima rosiana, ao se valer de um diálogo virtual/monólogo interior, propiciando a intersubjetividade entre quem fala - o narrador épico e quem escreve - o narrador do romance, dramatiza a própria escrita do romance como gênero e como "pacto" com a ficção.
A obra de Guimarães Rosa evidencia, de Magma a Tutaméia, um percurso em que o autor opta pelo trabalho metalingüístico com o texto, executando uma renovação lingüística e narrativa na ficção brasileira. Esta opção revela que o autor não teve ou desejou uma atuação política, nem procurou fazer uma literatura revolucionária, engajada, preocupando-se antes em realizar uma transformação na literatura. As análises que buscam tal literatura revolucionária na obra rosiana desconhecem a opção estética do escritor.
O objetivo deste estudo foi o de tentar desentranhar das representações de duas das figuras mais singulares de nossa história, Antônio conselheiro e Getúlio Vargas, que tive a felicidade de encontrar e identificar num outro trabalho sobre o Grande Sertão: Veredas, a visão e o juízo de Guimarães Rosa sobre elas. Isto foi possível apreender a partir das análises das significações que adquiriram no livro e da importância que tiveram para a definição do destino do herói Riobaldo, narrador do romance Grande sertão: veredas.
Reflexões em torno do Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, com abordagens que privilegiam gênero literário, engajamento político, adesão filosófica.
Embora editado em 1956, cerca de 20 anos depois de Vidas secas, o Grande sertão: veredas guarda com este muitas afinidades temáticas e estruturais, sobretudo no enfoque regionalista. Todavia, a despeito do regionalismo de Rosa já deslizar para o transregionalismo, ou melhor, para a tensão entre o regional e o universal, ele não deixa também de retratar a geopolítica da degradação ambiental e humana, localizada na região do cerrado, com especial acento no sertão de Minas Gerais, tema cabalmente explorado no presente século, o que torna Grande sertão: veredas, como outras obras primas, um romance atual no século XXI, razão pela qual se deve relê-lo e comemorar o cinqüentenário de sua 1ª edição.
Este trabalho visa discutir a constituição do ponto de vista no conjunto de novelas reunidas em Corpo de Baile, de João Guimarães Rosa, a partir da hipótese de que a emergência das classes populares como novo ator social durante a Era Vargas (1930-1945 e 1951-1954) é fator preponderante para criar as condições de possibilidade de formação de uma instância narrativa, na obra do escritor mineiro, que, se parece ter correspondido à nossa experiência histórica naquela quadra já não pode ser recriada, sob pena de escamotear o processo de fragmentação social em curso.
"O Recado do Morro", narrativa que faz parte de Corpo de Baile (1956), de Guimarães Rosa, funda-se no motivo da viagem para privilegiar a escrita da natureza e a alegoria do Brasil.
Este ensaio enfatiza o fato de que nenhum crítico hispanoamericanocontemporâneo se ocupou da literatura brasileira, com tantointeresse e persistência, quanto Emir Monegal ou Ángel Rama. Em seuscorrespondentes mapas e em suas respectivas pesquisas, o regionalismobrasileiro e suas fissuras (nas obras de Graciliano Ramos e de GuimarãesRosa) se nos revelou um relevante ponto de articulação para o confrontode suas produções literárias com outras da literatura hispanoamericana.
Estudo das descontinuidades e incongruências com que se constrói o texto plural da novela ‘Cara-de-bronze’, de Guimarães Rosa– um tecido de “nadas etéreos” que nada afirmam, mas por isso mesmorecuperam a potencialidade criadora do Verbo, característica do textopoético.
Neste artigo analisamos alguns efeitos de real e de ficção na obra Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Consideramoscomo sendo efeitos de real em Grande Sertão: Veredas aqueles concernentes ao espaço e ao tempo delimitados na narrativa e, ainda,à natureza dos personagens. Como efeitos de ficção, consideramos avisão da totalidade da narrativa, irrealizável na vida real.
Neste artigo, o texto é pensado, enunciativamente, como espaçode diálogo. Ou seja, o diálogo do espelho, realizado com as atividadesde escrever e ler, falar e ouvir, é pensado como atividade dialógica.Assim sendo, no diálogo dos interlocutores, o locutor produz para oseu alocutário, no espaço visível do texto, ou do espelho, não só asimagens a serem reproduzidas, como, ainda, as imagens a seremtransformadas. Mas, o diálogo do texto, ou do espelho, é marcado,também, pela ação das imagens que vão sendo dadas à visibilidadepela ação invisível do vazio gerador da produção do poético.