O ensaio reflete sobre a constituição do narrador e das personagens em Grande sertão: veredas a partir da invenção rosiana do “mundo-jagunço”, entre mito e História. Para tanto, concentra-se na formação fictícia do jagunço no livro, cuja base verossímil se localiza ao mesmo tempo nas dificuldades da vida sertaneja e na idealização das possibilidades de reagir a elas. Propõe-se por fim a compreender a lei formal dessa (de)formação – não ser ou ser mito – em contraste com a figura histórica do “homem livre pobre”, e a interpretar a leitura rosiana da modernidade brasileira no sertão.
Trata-se de uma leitura dos contos "A loba", de Giovanni Verga, e "A benfazeja", de Guimarães Rosa, a partir de um mesmo motivo literário da mulher demoníaca, tendo a comparação como método, isto é, como eixo central que busca alargar a compreensão crítica das obras. Em seu percurso pelas paarticularidades histórico-estéticas desses textos, a perspectiva comparatista aqui visa - ainda que de maneira breve - à explicitação de diferenças que possam ensaiar o aclaramento da relação de tais textos com a sociedade e o momento histórico em que foram produzidos.
“Na terceira margem do rio”, de Primeiras estórias, o ato radical de um homem que se muda para o meio do rio interroga a normalidade e incita o filho a seguir o mesmo percurso, lançando-se ao mesmo paradoxo: partida e permanência num não-lugar. O mito, inillo tempore, revém mediado nessa narrativa sob uma tônica trágica, quan do o homem não é dono de seu destino. O trânsito para essa terceira margem suspende a História, sem reverter, entretanto, uma situação sem saídas: a revelação mítica de uma outra esfera do real surge com o reposição de impasses e paralisia. Simultaneamente, para além das angústias pessoais daquele que não consegue seguir um caminho que se lhe a presenta obscuro e terrificante, o desenho de gestos análogos a ritos que não se completam parece apontar, no conto, para um contexto mais amplo.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada
Este trabalho concentra-se na análise de Primeiras estórias, propondo, para interpretação do conjunto, o estudo das articulações entre mito - nos sentidos de enredo, de narrativa cosmogônica ou de fundo mágico-religioso - e História no livro. Trata-se de ver, por dentro das particularidades dessas estórias, como os narradores olham para um mundo em trânsito. Desta perspectiva se constituiu um movimento de investigação: Começando pela leitura de narrativas aventurescas focadas em crianças, configura-se uma poética em que a visão de mundo dos personagens é partilhada pelo narrador, por via de experiências de descoberta do vasto mundo ou de encenações da existência. Viagens externas ou a territórios que não transpõem os muros do imaginário marcaram no passado e gravam no presente um sentimento profundo da vida, guardado na memória ou acompanhado em ato, nos momentos de revelação. Desta busca de recuperação de uma identidade, movimento do narrador, no âmbito privado (ainda que em espaço histórico onde se ergue um novo mundo), chega-se a um outro conjunto de contos em que uma espécie de anedotário político fala de identidade em sentido mais amplo. Nestes contos investiga-se o sentido da perspectiva do narrador ao flagrar momentos de trânsito entre sertão, norma, violência privada e cidade. No centro do trabalho encontram-se as análises de contos que se passam em espaços onde a precariedade tem lugar - sejam eles pequenos arraiais, sejam grandes propriedades
com resquícios patriarcais -, e, junto dela, uma consciência do mundo em que o homem não é dono de seu destino. São estórias que trazem, no enredo, na maneira de conceber o mundo ou em alusões do narrador, marcas do trágico, compondo uma visão do momento histórico que o livro situa em suas molduras. Por fim, chega-se à análise do conto central, tendo-se novamente em vista a questão da identidade e da representação, a fim ) de amarrar uma visão sobre Primeiras estórias, pautando-se a compreensão do conjunto pelo grau de penetração que o escritor tem na matéria contraditória com que lida, o que dá a medida excepcional de sua capacidade de criar formas.