O objetivo central deste trabalho é a abordagem de um importante fenômeno literário produzidos no Brasil e na América Latina durante o final do século XIX e início do século XX. Trata-se da “síntese inesperada” do regionalismo conservador e localista com o universalismo vinculado às vanguardas europeias, tendente a rupturas e projeção virtual do futuro. A inter-relação entre esses dois modos resultará numa nova vertente a que Ángel Rama chamou de “transregionalismo”; e Antonio Candido, de “super-regionalismo”. Um resultado dessa mudança é a possibilidade de diálogo do romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, com o romance regionalista de Graciliano e o painel cubista Guernica, de Picasso.
Embora editado em 1956, cerca de 20 anos depois de Vidas secas, o Grande sertão: veredas guarda com este muitas afinidades temáticas e estruturais, sobretudo no enfoque regionalista. Todavia, a despeito do regionalismo de Rosa já deslizar para o transregionalismo, ou melhor, para a tensão entre o regional e o universal, ele não deixa também de retratar a geopolítica da degradação ambiental e humana, localizada na região do cerrado, com especial acento no sertão de Minas Gerais, tema cabalmente explorado no presente século, o que torna Grande sertão: veredas, como outras obras primas, um romance atual no século XXI, razão pela qual se deve relê-lo e comemorar o cinqüentenário de sua 1ª edição.
“As margens da alegria”, conto de abertura do livro Primeiras estórias encena, sob o signo da modernidade, a construção de uma “grande cidade” cujas bases utópicas serão examinadas em contraponto ao modelo de “cidades letradas”, emblematizado por Brasília, a mais contraditória encarnação dos sonhos de utopia política da modernidade brasileira.
O cenário preferencial do moçambicano Mia Couto, uma das mais
relevantes vozes da literatura africana de Língua Portuguesa, são as guerras coloniais e
seus traumáticos desdobramentos. Ao mesclar ficção e documentário, as narrativas de
Couto traçam um retrato poético, político e alegórico da Moçambique contemporânea, de
cujo contexto despontam inventários de ruínas, fragmentos, modulações melancólicas de
vozes a reverberar rastros de tradições, ritos e mitos de seu país.
A crescente recepção à obra de Mia Couto, no amplo universo da lusofonia, bem
como no dos Estudos Pós-coloniais, vê-se às voltas com indagações cabais sobre o
trauma da guerra, suas vítimas e a perda de tradições, sob o impacto da globalização: O
que resta atualmente de cultura e tradições orais dilaceradas por guerras e genocídios?
Como elas interagem com a globalização cultural e econômica em rápida circulação em
Moçambique? E o saldo de mortos na guerra de libertação de Moçambique e um outro
tanto durante
ste trabalho tem como ideia central um dos mais importantes fenômenos literários que, em homologia com outras literaturas latino-americanas, foram produzidos no Brasil no século XX: a “síntese inesperada” entre dois modos de produção praticamente irredutíveis entre si: de um lado, diretamente vinculado às vanguardas européias e seguindo uma direção universalista, um “modo” relacionado à pura formulação vanguardista, afinado com a ruptura radical com o passado e a projeção virtual do futuro; de outro lado, o regionalismo realista, conservador, nacionalista e resistente às inovações a traduzir um outro “modo”. A “síntese” ou melhor dizendo, o tensionamento entre tais modos antes apartados viria a resultar numa troca criativa a que o crítico uruguaio Ángel Rama designou “transregionalismo” ou “regionalismo transnacional” (apud Antonio Candido). Reconhecido como «um sistema literário comum», tal tendência pode ser reconhecida em dimensão continental, da qual o Brasil seria parte integrante
Com base na literatura de Mia Couto e na convergência estrutural e linguística deste com Guimarães Rosa, pretendemos identificar correspondências simbólicas e alegóricas entre o universo ficcional e a história da guerra colonial em Moçambique, bem como seus desdobramentos pós-coloniais. Ao mesclar ficção e documentário, tal literatura traça um retrato poético e alegórico da Moçambique contemporânea, de cujo contexto despontam inventários de fragmentos, modulações melancólicas de vozes a reverberar rastros de tradições, ritos e mitos de um país em ruínas. Por sua feita, Guimarães Rosa, escritor brasileiro, implode e estilhaça, kafkianamente, os hábitos linguísticos cristalizados na Língua Portuguesa, fazendo cintilar — nos interstícios minados da língua formal — uma outra língua, "sua língua brasileira", instrumento mediante o qual ele postula o direito de renovar a língua, para renovar a literatura e a vida: "Minha língua é a arma com a qual defendo a dignidade do homem (...). Somente