Em seu livro The open: man and animal, Giorgio Agamben argumenta que, embora a idéia do “humano” na sociedade ocidental tenha sido pensada, desde sempre, como uma misteriosa conjunção de um corpo natural e de um elemento sobrenatural, social ou divino, é preciso aprender a pensar o “humano” como o resultado de uma prática e de uma política intencional e deliberada de separação entre “humanidade” e “animalidade”. Baseando-nos nos conceitos deste crítico, e de outros como John Berger, W. J. T. Mitchell e Cary Wolfe, percorremos alguns textos de autores brasileiros, como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Osman Lins, analisando como a metáfora animal é utilizada para representar o ser humano abjeto, em condições de sujeição, marginalização e degradação, o que não só revela o modo como o “humano” pode vir a se relacionar com os seus semelhantes em situações adversas, mas também o modo como esse relacionamento reproduz o preconceito atávico de sua superioridade sobre a natureza e os animais.
Neste ensaio buscamos fazer uma aproximação preliminar e pouco comum das poéticas de Fernando Pessoa e Guimarães Rosa, a partir da análise de sua produção nos textos das “Ficções do Interlúdio”, do português, e das “Coisas de Poesia”, do brasileiro, considerando questões como o espaço literário, a desleitura da tradição canônica e a despersonalização do artista moderno.
Para Edward Said, intelectual é aquela figura cujo desempenho público não pode ser previsto nem forçado a enquadrar-se numa linha partidária ortodoxa ou num dogma rígido. Em As representações dos intelectuais, no entanto, ele se confessa desanimado com essa percepção, pela tendência que observa nesta classe de promover a alta cultura, deplorando o “homem comum” e a cultura de massa. Neste artigo, discutimos brevemente as estratégias de posicionamento crítico e autocrítico de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector frente ao problema, a partir de uma abordagem comparativista do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” e da crônica “Um grama de radium – Mineirinho”.
A antologia de contos Sagarana marca a estreia de um médico interiorano em crise, deprimido após um pífio segundo lugar obtido em sua primeira e esperançosa empreitada literária. Prestes a abandonar a profissão e o sonho para dedicar-se ao serviço burocrático no Itamaraty, Guimarães Rosa deflagra seu destino viator: levado a estranhas paragens, familiariza-se com o sublime e o grotesco, na descoberta da generosa paixão de Ara e do fescenino ódio de Hitler. De volta ao Brasil, a reescritura deste livro aponta para uma guinada na percepção do autor; que escolhe, antes, abraçar os mistérios do grande sertão, a apartar-se deles em nome de uma ciência racional e dogmática, alheia ao amor e ao espírito: desalmada.
Este ensaio discute a agraciada força das poéticas "menores" de dois grandes vates da literatura brasileira moderna: Guimarães Rosa e Osman Lins, através da análise do papel do riso e da comicidade na construção metalinguística de algumas de suas obras, que refletem, cada uma a seu modo, uma visão de mundo curiosamente próxima - afeita aos princípios da carnavalização e do circo. A alegria é, para esses escritores, a pedra fundamental de uma estética do insignificante e do ínfimo, e de uma ética profundamente humana, de vida, morte e renovação.