A qualidade e a diversidade do material – questionários, glossários, anotações, desenhos, comentários sobre a obra, reflexões sobre língua e literatura, indicações e referências bibliográficas – que encontramos ao ler a correspondência de João Guimarães Rosa com os tradutores de seus textos para outros idiomas atestam a importância para o estudo de sua obra. Neste artigo, pretendemos comentar alguns trechos dessa correspondência, principalmente da inédita pertencente ao Fundo João Guimarães Rosa (IEB/USP), que julgamos relevantes para elucidar o processo da gênese dessa obra e para configurar uma poética rosiana ou como o autor denominava sua “plataforma” de escritor.
A preparação das notas da correspondência trocada entre João Guimarães Rosa e seu tradutor francês, Jean-Jacques Villard, está nos levando a ampliar a compreensão da tradução e da recepção da obra do escritor nos anos 1960 na França. Um dos aspectos desse processo que sempre nos intrigara, e que as cartas trocadas entre o escritor e seu tradutor não eram capazes de esclarecer, dizia respeito ao modo como se estabelecera o contato entre eles. A investigação que empreendemos a partir do nome de Michel Chodkiewicz, editor da Seuil responsável pela publicação das obras de Guimarães Rosa junto a essa editora, levou-nos não só a responder a essa questão, como a entender o papel fundamental que o compromisso pessoal de um editor para com uma obra representara para a publicação de Corpo de baile na França dos anos 1960.
O presente trabalho propõe a reflexão de um elemento de fora do perímetro textual: a dedicatória de Grande sertão: veredas, romance de João Guimarães Rosa, subsidiado pela leitura da correspondência trocada entre o escritor e sua mulher, Aracy Moëbius de Carvalho Guimarães Rosa. A análise desses dois elementos paratextuais possibilitou uma escuta diferenciada do romance, permitindo que os espaços da ficção e da vida pudessem ser entretecidos. A abordagem aqui apresentada, tal como defende algumas vezes o autor mineiro, considera o traço autobiográfico da sua ficção, o que se comprova por meio da análise cuidadosa da correspondência íntima de ambos.