O presente artigo organiza-se em torno de dois eixos principais. Trata-se, no primeiro, da rápida discussão de aspectos relativos ao estudo de documentos epistolares como fonte de pesquisa e da apresentação do caso dacorrespondência trocada entre João Guimarães Rosa e seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason. Na sequência são apresentados elementos que, combase na análise de documentos publicados e de documentos inéditos, levam à consideração aspectos da obra e do fazer poético do autor ainda não ponderados publicamente pela crítica especializada.
O texto relata nossa experiência de organização da Série Correspondência do Fundo Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP, entre os meses de agosto de 2005 e junho de 2006. O artigo descreve o processo através do qual os documentos foram arranjados, além de apresentar algo de seu conteúdo.
A qualidade e a diversidade do material – questionários, glossários, anotações, desenhos, comentários sobre a obra, reflexões sobre língua e literatura, indicações e referências bibliográficas – que encontramos ao ler a correspondência de João Guimarães Rosa com os tradutores de seus textos para outros idiomas atestam a importância para o estudo de sua obra. Neste artigo, pretendemos comentar alguns trechos dessa correspondência, principalmente da inédita pertencente ao Fundo João Guimarães Rosa (IEB/USP), que julgamos relevantes para elucidar o processo da gênese dessa obra e para configurar uma poética rosiana ou como o autor denominava sua “plataforma” de escritor.
O presente trabalho propõe a reflexão de um elemento de fora do perímetro textual: a dedicatória de Grande sertão: veredas, romance de João Guimarães Rosa, subsidiado pela leitura da correspondência trocada entre o escritor e sua mulher, Aracy Moëbius de Carvalho Guimarães Rosa. A análise desses dois elementos paratextuais possibilitou uma escuta diferenciada do romance, permitindo que os espaços da ficção e da vida pudessem ser entretecidos. A abordagem aqui apresentada, tal como defende algumas vezes o autor mineiro, considera o traço autobiográfico da sua ficção, o que se comprova por meio da análise cuidadosa da correspondência íntima de ambos.
Este trabalho analisa perspectivas de linguagem e sentido que se esboçam em 59 cartas trocadas entre Guimarães Rosa e sua tradutora norte-americana, Harriet de Onís. Partindo de um ponto de vista pós-estruturalista, segundo o qual a linguagem é não instrumento de representação, mas antes uma multiplicidade de práticas históricas, voláteis, descontínuas e, portanto, refratárias a teorias gerais de ambição essencializante, busca-se reconhecer no espaço extra-teórico das cartas a fecundidade dos diferentes estilos de ver a linguagem que se oferecem nesse ponto particular do corpus roseano. Mostra-se a irreducibilidade dessas visões a qualquer filosofia geral, as marcadas diferenças de atitude perceptíveis entre Guimarães Rosa e Harriet de Onís no que se refere à linguagem (diferenças que enfatizam por contraste as posições roseanas), e, sobretudo, a forma particular como o Rosa das cartas promove performativamente o abalo de expectativas reducionistas e culturalmente arraigadas sobre a linguagem. Especial atenção é dada ao modo como em Rosa o paradoxo emerge como força criadora e não como embaraço, aporia: pela produtividade do paradoxo, abrem-se ângulos fecundos pelos quais se logra reconhecer, ou, nos termos de Rosa, pensar-sentir, diferentes aspectos da linguagem, notadamente a língua comum; a dinâmica vital que enlaça texto, autor, tradutor e leitor; a racionalidade e o mistério irredutível da língua; e o estatuto do poético no idioma.
Este trabalho examina a correspondência entre Guimarães Rosa e seus tradutores alemão, italiano e norte-americana, com vistas à depreensão e análise de perspectivas rosianas sobre o simbolismo sonoro. Examinam-se as reflexões sobre o tema que se podem depreender (a) das considerações gerais que Rosa faz no corpo das cartas enviadas a seus tradutores; e (b) das detalhadas instruções que ele acrescenta em anexos, para dirimir dúvidas específicas colocadas pelos tradutores. Mostra-se, pela análise das epístolas, que a criação linguística rosiana tende a abarcar de forma deliberada e até certo ponto calculada a sonoridade sugestiva, por meio de singulares onomatopeias, aliterações, assonâncias e padrões rítmicos, resultando em um simbolismo sonoro. Conferindo carga expressiva, força e plasticidade ao texto, o simbolismo sonoro é um importante aliado nas estratégias rosianas de privar o leitor da ?bengala dos lugares comuns? (carta a Harriet de Onis) e de convidá-lo a ter com a língua uma relação que não seja unicamente ?lógico-reflexiva? (Carta a Edoardo Bizzarri). Mostra-se ainda que, no que tange às formas como dialogam com as teorias linguísticas, as reflexões e atitudes tradutórias de Rosa, tendendo à recusa do princípio da arbitrariedade do signo, apresentam convergências parciais com discursos teóricos que sustentam o simbolismo sonoro, em especial os de Jespersen e Jakobson.