A produção literária de João Guimarães Rosa tem sido muito pesquisada, particularmente o Grande Sertão: Veredas, mas permanece pouco explorado como o escritor produzia aquilo que ia escrever. Este artigo descreve as notas da Boiada, resultado da viagem de Guimarães Rosa, ao sertão de Minas, em 1952.
O presente trabalho pretende aproximar dois
romances latino-americanos publicados à distância de um ano entre si e
que representam um momento fundamental da literatura do México e do
Brasil. São eles: Pedro Páramo, de Juan Rulfo, e Grande Sertão:
Veredas de Guimarães Rosa. Embora os dois romances apresentem
características diferenciadas, é possível estabelecer pontos de
convergência no que diz respeito ao tratamento dado a determinado tema
– o espaço americano, por exemplo – assim como à linguagem
privilegiada para expressar um mundo em formação, ainda não totalmente
nomeado e no qual a trajetória do herói moderno se confronta com o
desafio da saída do mundo coletivo para a entrada no mundo da
individualidade. A cultura popular e a oralidade do contexto
específico a cada autor servem, nos dois casos, como pano de fundo que
sustenta determinada construção dos universos ficcionais dos autores,
aqui postos em diálogo.
No universo plurissignificativo de Grande Sertão: Veredas, a força que move o pactário não é apenas a de um sujeito que, em nível semântico, procura a obtenção de um conhecimento ou a superação do humano. Riobaldo, questionando sobre a existência de Deus e do Diabo, faz dessa dúvida o seu gesto pactual. Sob esse aspecto, a aporia impossibilita qualquer resposta ou juízo. O pacto, desse modo, se configura como esforço tradutório. Esforço que procura um possível equilíbrio entre dois pólos: o positivo e o negativo, ambos agenciadores que se expressam como linguagem. Na tentativa de encontrar Deus através do Diabo, ou vice-e-versa, estabelecese a ironia. O nada (nonada) é paradoxo por onde se tenta discutir o indiscutível. A “fala” do pactário atinge o limite do círculo hermenêutico para torcê-lo, torná-lo espiral. A possível tradução do pacto fáustico poderia ser travessia. A busca, veículo tradutório e ambivalente de um desejo indeterminado.
Analisamos neste artigo o narrador de Grande Sertão: Veredas, para tanto utilizamos a concepção de performance de Paul Zumthor e a categoria multiloquium referida em diversas obras medievais que tratam de linguagem.
Este artigo visa abordar o texto rosiano focalizando os princípios e as leis do discurso e suas transgressões do ponto de vista da discursividade. A partir de um levantamento feito dos princípios e das leis do discurso tratadas por Grice (1975) e por Maingueneau (1996), analisamos, em Grande Sertão: Veredas, algumas transgressões desses princípios e leis para as quais buscamos justificativas.
De 1957 a 1962, foi editada, em Belo Horizonte, por Affonso Ávila, Fábio Lucas e Rui Mourão, a revista Tendência que se propunha, entre outras coisas, a buscar formas literárias que correspondessem à consciência nacional, como afirma o primeiro editorial da publicação. Entre os textos publicados, podemos encontrar ensaios, resenhas e transcrição de artigos de outros autores. Guimarães Rosa, cuja obra mereceu reconhecimento e rápida recepção por parte dos membros da revista, foi um dos escritores mais citados. Este texto pretende mostrar de que forma ocorreu essa recepção e a avaliação de Guimarães Rosa por uma publicação que se pretendia de vanguarda.
Exponho algumas reflexões sobre a importância de lembrar, procedendo a um recorte temático sobre a memória de velhos, tanto para corroborar a relevância que outras áreas de estudo já afirmam sobre este fenômeno, quanto para inquirir se a literatura tem condições de dar conta também do tema. Ficções como Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, articulam-se por meio de um narrador que,
chegada à idade madura, precisa contar a sua vida a um interlocutor, ao feitio de encenação. A lembrança de velhos permite vislumbrar os aspectos limiares entre a memória, a narrativa e a
literatura.
Neste artigo, focalizamos a fala de Riobaldo a partir de uma leitura lacaniana, pois ela permite adentrar-se em um universo lingüístico muito particular, reconstruído pela via de um falar incomum, aos olhos e aos ouvidos dos que se dispõem a penetrar no signo roseano. Eis aqui um desafio intrigante, que exige fôlego para se respirar na mesma cadência da fala-enxurrada de Riobaldo. Os
significados roseanos rasuram os significantes, tanto ao nível do enunciado – que é a fala produtora de novos sentidos abertos –, quanto no nível da enunciação – que é a narrativa, em sua totalidade.
Significantes ambíguos como o próprio corpo de Diadorim: um duplo, entre o feminino e o masculino: o dia e a dor. Riobaldo também é um significante rasurado e paradoxal, pois ele é ao mesmo tempo o rio que flui, e o baldo, isto é, a barragem que represa as águas de um amor por Diadorim. Desejo rasurado, não realizado, provocando um enorme vazio, o Nonada. Cabe, então, ao leitor preencher este vazio, entrando-se nos meandros do Grande Sertão: Veredas.