Este artigo busca analisar as formas de tensões e distensões na relação significativa de aproximação e distanciamento entre o sertão e os gerais rosianos, a partir de Corpo de baile (1956). Nesse livro, composto por sete narrativas, o processo de elaboração do espaço ficcional surge de maneira difusa gerando especificidades que recolocam em discussão as representações do espaço que se estruturara por meio da impossibilidade de fixar limites entre eles. Discute-se o sertão como um sistema móvel, cenário central da obra rosiana, e seus desdobramentos em gerais e veredas, categorias fundamentais na construção da narrativa e nas delimitações das singularidades das personagens viajantes. Nos textos rosianos, a construção do espaço é colocada em constante processo de ressignificação e aparece como lugares que estão paradoxalmente dentro e fora do mapa. Com base nesta problematização, propõe-se investigar como se configuram as manifestações de semelhanças e diferenças nesses espaços polissêmicos.
Dois velhos amigos se encontram no sertão e trocam idéias a respeito da narrativa de Guimarães Rosa: diálogo ou monólogo?; Riobaldo: o narrador entre Deus e o Diabo; o pacto com o leitor; a criação do sertão e a memória; o prazer de narrar; intertextualidade (Dante, Cervantes, Mann...).Palavras-chave: Guimarães Rosa; Sertão; Riobaldo.
Esta pesquisa pretende analisar a retradução do romance brasileiro Grande Sertão: Veredas para a língua francesa realizada por Maryvonne Lapouge-Pettorelli em 1991. A proposta se insere na área dos Estudos da Tradução e se propõe a discutir questões relacionadas à importância e à autonomia
do ato tradutório e aos fatores que influenciaram o processo tradutório dessa obra. A análise traz à tona as relações entre tradução, contexto cultural e sistema literário, demonstrando que o processo de recriação é afetado não apenas pela forma como o texto será traduzido, mas também pelo momento em que determinada cultura solicita a tradução. A pesquisa inclui reflexões sobre as estratégias de tradução e de importação responsáveis pela escolha dessa obra, identificando algumas soluções encontradas pela tradutora francesa para a recriação de elementos linguístico-culturais específicos do sertão brasileiro e de Guimarães Rosa.
O presente ensaio tem por objeto ser um exercício metodológico, ao tentar estabelecer uma ponte entre a Literatura e a Geografia, mais especificamente entre a obra Sagarana de João Guimarães Rosa, e os aportes teóricos da Geografia Cultural, fundamentada em categoriais analíticas como região cultural e gênero de vida. A obra Sagarana apresenta-se enquanto um sertão literário a ser desvendado pelo leitor, que no caso em questão nos é apresentado por dois contos; São Marcos e Corpo Fechado. A partir de fragmentos dos contos, foram identificadas algumas dimensões consideradas identificadoras do gênero de vida das gentes do sertão, como a religiosidade e a valentia. A partir dessas duas dimensões do gênero de vida, torna-se clara sua especificidade, não só geográfica (em relação ao meio), mas também nas construções sociais que identificam as gentes do sertão.
Este ensaio tem como objetivo refletir sobre a narrativa “A benfazeja”, de João Guimarães Rosa, colocando-se como ponto de convergência entre a personagem Mula-Marmela e as manifestações trágicas no Sertão, colocando-se como “aclimatação” a partir de diversos elementos, como o destino, a desmesura e a catarse. “A benfazeja” dialoga com a universal dimensão humana presente nos dramas gregos, sobretudo no que tange às escolhas e à relação com a comunidade, em um movimento que redimensiona as “estórias” gregas no cotidiano sertanejo.
Doutorado em Ciências Sociais / Área de Concentração: Cultura e Sociedade
A porta do sertão aberta pela Tese é magica, festiva, poética, triste, árida, mítica; é construída com rimas, sonhos, cores, santos, demônios, pedras, morte e vida. Evoca a música que vem dos tambores, dos pífanos, das violas e das rabecas. Exibe trajes com bordados coloridos, da chita, do couro trabalhado dos gibões, dos mantos dos reis, das composições bricoladas com retalhos e fitas coloridas. O sertão apresentado ressalta a riqueza excessiva de um imaginário repleto de animais bizarros, anjos, demônios, e homens que sentam à mesma mesa, numa espécie de confraria mágica. Trata-se de um sertão que se mostra por meio de uma vegetação quase rasteira, formando uma massa ocre-terra, ocre-vegetação, que se estende e oprime os fios de espelhos d´água que insistem em correr entre as terras secas. É desse contraste que nasce a estética do sertão: das imagens plásticas e poéticas que o homem sertanejo cria como elementos que complementam ou rivalizam com a geografia árida. Os suportes teóricos da Tese vem da obra de Edgar Morin e de Claude Levi-Strauss. Da literatura traz as vozes de José Lins do Rêgo, João Guimarães Rosa e Euclides da Cunha. Da estética, como filosofia, recruta as reflexões de Erwin Panofsky e Clement Greenberg. O estilo narrativo do texto assume a rima dos cantadores de cordel e poetas populares, no ângulo criador do homem e da natureza do sertão. A ideias e argumentos se relacionam num tempo não-linear, num tempo mítico. Como o romanceiro medieval, a narrativa é repleta de relatos que atestam o hibridismo entre os domínios do real e do fantástico. Discute-se aqui como arguemnto central a relação de oposição e complementaridade entre falta e excesso, padrão e variação, contingência e criação que constituem a estética do sertão
O objetivo desta pesquisa é mostrar como se constrói o espaço nas narrativas: Os Sertões, de Euclides da Cunha e Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Intenta-se refletir sobre os seguintes problemas: Que elementos compõem o espaço em Os Sertões e Grande Sertão: Veredas? Como os múltiplos espaços influenciam nos elementos componenciais da narrativa e vice-versa? De que forma o SERTÃO pode se tornar o elemento aglutinante da espacialidade em Os Sertões e Grande Sertão: Veredas? Consideram-se basilares para esta pesquisa o estudo de Gaston Bachelard, o de Antonio Dimas e, o de um terceiro, Milton Santos, tomado de empréstimo à Geografia. Do último, serão extraídos conceitos-chave como a concepção de espaço, lugar e paisagem. O capítulo I trata dos elementos espaciais que compõem Os Sertões; o capítulo II aborda os elementos espaciais relativos à Grande Sertão: Veredas e, em seguida, no capítulo III, propõe-se uma avaliação dos elementos espaciais comuns a ambas as narrativas, também busca-se apreender como o SERTÃO se torna o elemento aglutinante dessas espacialidades. O sertão é destacado, nesse trabalho, como macro-espaço, dividido em micro-espaços representados por elementos naturais formados pelo aquático, pela flora e pela fauna. Quanto aos espaços artificiais, salientam-se as construções que envolvem a fazenda, o sítio, a casa, o sobrado, a choupana, a igreja, o cemitério, a cadeia, seja do ponto-de-vista interior, seja do exterior. Assim, procurou-se resgatar traços da criação espacial, envoltos em um discurso híbrido de jornalismo, geologia, ciências, história, sociologia e literatura, em Os Sertões, assim como manifestações latentes da criação espacial em Grande Sertão: Veredas
Lugar emblemático no imaginário brasileiro, o sertão é um tema recorrente em diversos estudos culturais e geográficos do país. Considerando a conotação existencial que lhe confere o escritor João Guimarães Rosa e baseado em uma etnografia realizada na região mineira em que o mesmo ambienta boa parte do romance Grande Sertão: Veredas, na extensão compreendida entre os Rios Urucuia e Paracatu, o presente trabalho visa à construção de uma narrativa reflexiva sobre experiências de espaço e imagens constitutivas da memória e do imaginário de habitantes do sertão mineiro. Apoiando-nos, pois, em uma pesquisa de campo que consistiu no deslocamento entre diferentes localidades rurais e urbanas e na realização de entrevistas com sujeitos conhecidos ao longo do caminho, este trabalho se compõe de imagens, narrativas, histórias de vida, impressões de viagem e reflexões a partir das quais procuramos repensar - no diálogo com a literatura roseana - o imaginário e a idealização dos lugares e das pessoas ditos sertanejos.
O escritor João Guimarães Rosa, além de toda a elaboração estética, do significado mítico-místico e da profunda concepção psicológica de seus personagens, deixa transparecer também em sua obra uma preocupação sobre as questões sociais e ambientais que envolvem o cenário regional, nacional e universal do sertão, que também é o mundo. No projeto literário do autor, o sertão e o Cerrado transcendem seus destinos de moldura narrativa, para se conformarem em personagens co-protagonistas das narrações. Um espaço-palco permeado por uma rica e sofrida história, um mundo muito misturado no coração do país. Apesar de evidenciar um continuum espacial em todas as suas narrativas, existem nuances socioespaciais intercaladas entre os livros do autor. Selecionamos nesta pesquisa três momentos ficcionais e alegóricos deste espaço movimentante: a) o sistema jagunço de Grande Sertão: veredas; b) os gerais em movimento de Corpo de Baile; c) e o mundo maquinal de Primeiras Estórias. As nuances ficcionais são reflexos das transformações dos gerais, desde a decadência do jaguncismo no final do século XIX e início do século XX, passando pelo desenvolvimento getulista nos anos 40 e 50, até a inauguração de Brasília, no início da década de 1960. O autor, contudo, não pode acompanhar as intensas transformações do Cerrado nas décadas subsequentes à sua morte em 1967. As mudanças de matrizes de racionalidades levadas pela modernização para o ambiente artístico de Rosa induziram profundas modificações na dinâmica dos recursos naturais e no sistema de uso da terra. Desta forma, objetivou-se nesta pesquisa, além da análise das obras de Guimarães Rosa, conceber uma experiência sensorial com o sertão rosiano na atualidade para absorver sabedorias in locu e compreender de que maneira se articula este espaço movente. A vivência de campo contribuiu para a escritura de sete episódios/insights, contextualizando os três momentos ficcionais de Grande Sertão: veredas, Corpo de Baile e Primeiras Estórias e suas relações com o sertão presente. Concluiu-se que apesar das pressões externas, a cidade não acaba com o sertão. A matéria vertente integradora do ser-tão cerrado continuará a conduzir sua alma, enquanto for dimensão da vida humana, de existência, onde é percebido, vivido e afetivamente experienciado pelos sertanejos. E é de dentro deste lugar onde deve estar o núcleo de resistência que represente uma resposta veemente às tentativas de homogeneização do espaço. Vimos alguns exemplos de resistências socioambientais, cujas propostas locais partem da inspiração na matriz literária de Guimarães Rosa, capaz de transmitir, iluminar e estimular um olhar artístico para o espaço, tal como lentes para uma percepção cativante da realidade.
Antonio Candido, na Formação da Literatura Brasileira, disse que a vocação ecológica de nosso romance, nossa fome tão característica de espaços, em boa medida foi a forma que nossos primeiros romancistas teriam encontrado para substituir complexidade e variedade sociais supostamente inexistentes no Brasil àquela altura, que seriam, segundo ele, a própria carne da ficção de alto nível. Numa sociedade recém emancipada, com poucos nichos de urbanização, caracterizada por uma rede pouco vária de relações sociais em que os conflitos entre ato e norma seriam menos frequentes, o caráter paisagístico e investigativo de nosso primeiro romance teria sido a um só tempo muleta e solução privilegiada. Esse pensamento se alinha à tendência mais geral da teoria do romance de considerar como elementos fundamentais do gênero a ascensão da burguesia capitalista e a consolidação do realismo individualista. Os heróis do romance passam a ser então os heróis do individualismo econômico, o que demonstraria a coerência entre o gênero e os rumos filosóficos e econômicos da sociedade moderna. Concorda com ele, por exemplo, Lúcia Miguel-Pereira, para quem, sendo o gênero literário que mais diretamente se nutre da vida de relação, dificilmente poderia o romance atingir a culminâncias numa sociedade sem estratificações profundas, de fraca densidade espiritual. Pois bem, se o romance não pode lidar com os elementos essenciais da vida de modo geral e abstrato, mas tal como se revela através de determinado grupo humano, ou seja, socialmente verossímil como prega a mesma Lúcia Miguel-Pereira, então como explicar a complexidade e a modernidade de um narrador como Riobaldo e a qualidade de um romance como Grande Sertão: Veredas, se alocados no suposto isolamento de um sertão patriarcal? Partindo desse problema central, busca-se nesta pesquisa fundamentalmente a partir das relações entre a figuração espacial do romance e o ethos desse narrador sertanejo, entender como o espaço e o contexto social periféricos podem ter interferido na forma do romance, já que, como coloca Franco Moretti: Um novo espaço encoraja mudanças de paradigma [...] porque coloca novos problemas e dessa forma pede novas respostas. Força escritores a assumir riscos e tentar combinações inauditas.
Em O animal que logo sou, Derrida se pergunta se seria possível existir uma autobiografia antes do pecado original, antes da ideia de nudez e do desenvolvimento mútuo do pudor e da técnica. L’animal que donc je suis. Suis é uma palavra homógrafa, conjugação dos verbos être e suivre na primeira pessoa do singular. A ambiguidade criada por Derrida é proposital: o homem segue o animal no sentido da sucessão e da herança ou está atrás dele no sentido da caça e do adestramento? O ato de nominação dos animais, evento que se dá antes da criação da mulher e da nudez, é a gênese dessa posição de sequência, consequência e perseguição. A ascendência do homem sobre o animal não se dá no tempo, é a própria gênese do tempo, um tempo vetorial de que precisa o pecado original para produzir seus efeitos. Em oposição a uma autobiografia confessional, em que a verdade é sempre uma dívida, Derrida propõe a limitrofia, uma experiência que se avizinha do limite, mas também se alimenta nas margens dele. A terra, em sua polissemia, é o elemento que corta tanto a autobiografia confessional quanto a limitrofia. Ao dedicar apenas o penúltimo capítulo do Livro I dO Capital à enunciação do pecado original da sociedade capitalista, a acumulação primitiva, Marx situa a pré-história de roubo e expropriação da terra antes da história, trata-se da proibição fundamental do capital que jamais deverá ser repetida, ainda que o seja de forma sintomática. Ao fixar a diferença entre o ato criador e a criatura, Marx faz com que a terra perdida na acumulação primitiva do capital só possa reaparecer como terra prometida. Para o crítico literário Araripe Júnior, a obnubilação, a perda da consciência provocada pela terra, faz da incorreção dos autores brasileiros um estilo próprio. Se o sangue que corria nas tintas de nossa melhor literatura era o de uma nova Roma, não seria o ius sanguinis que explicaria o novo vigor que o naturalismo assume nos trópicos, mas o ius soli. Enquanto em Marx a história da terra é a história fora da história, para Araripe, ela é o começo da história. Em Meu tio o Iauaretê, Guimarães Rosa fala da terra a partir de uma das instituições centrais do matriarcado, o avunculato, o domínio da casa pelo tio materno e a ausência de herança. Deserdado, o onceiro que vira onça vê na terra deserção, deserto – sertão. Não se trata aqui do deserto que institui o monoteísmo judeu, mas do deserto enquanto crise de parentesco que caracteriza o mestiço. Se o matriarcado é cortado por uma ausência, seja ela de terra ou de sangue, o conto rosiano é marcado pela incerteza quanto à morte do personagem autobiográfico no final. O fim como quase-morte é a autobiografia antes do pecado original a que se referia Derrida, afinal, a descristianização da vida exige também a descristianização da morte. Meu tio o Iauaretê é a falta-em-ser que é a ausência do fim da história, a vida sem meio-do-caminho.