No conto Umas formas, de Tutaméia terceiras estórias (1967), a poética do animismo se desvela. Lápides com epitáfios no cemitério contíguo à igreja formam com a “nave” o cenário que é frequentado por um padre, um sacristão e um maçom, um fantasma e um monstro, todos envolvidos em episódios insólitos, de aparição, tentação e medo. É pela teoria da alma, antes mencionada pelo próprio autor João Guimarães Rosa, que se dá uma leitura possível dos enigmas propostos no conto rosiano de temática não apenas religiosa. O animismo integra-se às teorias do fantástico como aparato teórico-conceitual literário, mas também como conceito antropológico e filosófico. Nesta investigação, serão mencionados o filósofo Agostinho de Hipona, com seus conceitos teológicos sobre a tentação; o estudioso das religiões Graham Harvey, proponente do “novo animismo”, e os antropólogos Philippe Descola, com sua quádrupla ontologia, e Eduardo Viveiros de Castro, com o perspectivismo e o multinaturalismo, fornecem uma base interpretativa a altura dos enigmas rosianos.
Visa-se a discutir como a obra de João Guimarães Rosa consegue ser um instrumento
de resgate e de valorização da língua oral. Partindo da perspectiva de que a
oralidade – desde mais precisamente o século o XVI – sempre fora descartada e/ou
marginalizada por uma política de prestígio ou mesmo pela produção acadêmica, a
obra de Rosa desponta como uma amostra de que a língua só se justifica enquanto
discurso efetivo; enquanto prática inserida num dado contexto social ou mesmo numa
dada circunstância. Nesse sentido, o autor faz uso de procedimentos reconhecidos por
uma tradição acadêmica como mecanismo de evidenciar (ou validar) outra tradição: a
língua oral. Mais precisamente neste artigo, adotam-se alguns contos das obras Primeiras
Estórias e Tutameia, do aludido autor, como forma de elucidar como G. Rosa,
mediante recursos tipicamente poéticos (tradição literária), consegue fazer da tradição
oral uma modalidade linguística que merece ser reconhecida e, por conseguinte, digna
de se ver representada pela tradição acadêmica. O escritor mineiro busca, dessa maneira,
através de uma tradição, resgatar outra tradição: a oralidade. Assim, a obra de
Rosa disponibiliza para a língua oral um espaço efetivo e, portanto, representativo na
produção ficcional brasileira.
Este trabalho pretende analisar os contos “Umas formas” e “Estória n. 03” integrantes de Tutaméia: terceiras estórias (1979) de João Guimarães Rosa, dando destaque à aliança que se estabelece entre o real e o impossível na engenharia do texto e no arcabouço da linguagem literária. Para tal direcionamento, o viés teórico convocado é a noção contemporânea de fantástico, em particular a concepção endossada por Cortázar (2008), Calvino (2004) e Roas (2011, 2014), dentre outros estudiosos do gênero que destacam a dimensão transgressora da realidade para além do textual, sobretudo a noção de que o fantástico se instala no entrelaçamento do natural e do sobrenatural, do estranho e do familiar, do possível e do impossível.
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