O ensaio analisa e interpreta o conto “Presepe”, do livro Tutaméia, de João Guimarães Rosa, examinando o cerimonial empreendido por Tio Bola, oitenta anos, numa noite de Natal. Como apoio crítico-teórico conta-se com o texto “Os atos obsessivos e as práticas religiosas”, na qual Sigmund Freud investiga a situação em que o indivíduo devoto desenvolve o cerimonial religioso sem indagar o seu significado ou nem mesmo conhecer o sentido simbólico dos ritos. Da mesma forma como os heróis antigos empreendem suas aventuras, Tio Bola põe-se à luta, no caso, contra sua própria solidão, ao criar a representação de um presépio numa estrebaria enquanto “todos” foram à vila para a missa do galo. Nesse empenho, o herói rosiano deixa entrever a regressão aos estágios infantis, ao mesmo tempo em que, como ancião, reatualiza o saber ancestral do inconsciente coletivo. A fragmentação da ordem na aparente totalidade que a família representa e a subversão de alguns rituais do cerimonial religioso são fatos que se somam no itinerário desse herói para anunciar que a vida ainda se agita no fragmento, que é sempre matéria vertente, abrindo espaço para o sonho e para a criação.
Este trabalho tem por objetivo suscitar a discussão sobre a presença do fantástico na obra de João Guimarães Rosa, com enfoque no conto “A menina de lá”, do livro Primeiras Estórias, publicado em 1962. Nesse intento, para a análise do comportamento da criança, o aporte teórico trata dos conceitos pertinentes à constelação conceitual do insólito na literatura, a partir do clássico Tzvetan Todorov, e se estende ao animismo e aos mitos, conforme Jean Piaget e Karl Kerényi.
Ir e vir é um direito assegurado a todo cidadão. Deslocar-se é próprio da espécie animal; escolher caminhos, traçar uma via para viajar, é característica humana. O artigo pretende identificar, no itinerário de personagens do livro Tutaméia Terceiras Estórias, os motivos que os impulsionam para viajar, bem como observar o traçado espacial desse itinerário. Ocorre que entre esses personagens a viagem torna-se diversa em sua configuração, à medida que não são apenas viagens por estradas reais, por terra e por rio, por meio de montaria ou de barco. O tema da viagem em Tutaméia configura-se também pela metáfora do olhar para frente e para trás, o que se reverte na ação do próprio leitor na travessia de ir e vir, direito e dever assegurados por um narrador. Propõe-se uma análise intratextual da obra rosiana, para interpretar enigmas que se imbricam entre personagens de contos diferentes, na representação metafórica da viagem.
O presente artigo traz uma reflexão a respeito da construção da memória de uma personagem infantil, em uma narrativa de ficção, influenciada pelas memórias coletivas de seus familiares e agregados. A leitura do conto Campo Geral (2001), de João Guimarães Rosa, motiva tal discussão, tendo em vista que o protagonista, com o nome de Miguilim, é um menino sensível que se apoia em suas percepções sensoriais e nos relatos dos que com ele convivem para edificar a sua própria memória e para se iniciar na compreensão do meio em que vive. É através dos sinais externos, do espaço e da memória coletiva que a personagem constrói e desconstrói a sua estória e a de sua família. O protagonista convoca as lembranças para criar um elo entre as suas sensações e a realidade que o cerca, ainda que sejam recordações oriundas de uma mente demasiadamente jovem e, por isso mesmo, pouco experiente. A fim de compreender a formação da memória, nessa fase da vida, faz-se necessário o suporte teórico dos autores Iván Izquierdo (2011), que trata da memória sob a perspectiva da neurociência, Alan Baddeley (2011) e seus colaboradores, que pesquisam sobre a formação da memória e Maurice Halbwachs (2015), que relaciona a aquisição da memória ao contexto social. Além desses estudiosos, pesquisadores como Doreen Massey (2008) e Gaston Bachelard (s/d) também contribuem com seus estudos, ao refletir sobre a importância do lugar e do espaço. Através desse entrelaçamento de teorias, pode-se vislumbrar algumas formas de aquisição e conservação da lembrança infantil.
Ao interpretar o percurso do viajante desse conto e sua exclusão no vilarejo, o ensaio pretende oferecer pistas para promover a leitura de Guimarães Rosa nas escolas, com o objetivo de dinamizar o conhecimento da literatura em língua portuguesa junto às outras áreas de estudo na Educação Básica e em grupos de leitura que promovam a inclusão. Dentre os múltiplos traços que determinam o caráter cômico de Jeremoavo, protagonista do conto “Barra da Vaca”, em Tutaméia terceiras estórias, de João Guimarães Rosa, podemos destacar expressões que descrevem suas qualidades físicas e qualidades morais, em muitos casos representadas por chistes próprios da obra rosiana. Mas Jeremoavo é um estranho viajante que causa temor entre os habitantes da pequena povoação em que o sertanejo chega doente. Nesse perfil, encontra-se a aproximação entre ele e o homem, descrito por Euclides da Cunha; como indivíduo enganado, aproxima-se a Dom Quixote, de Cervantes; e, antes disso, ao herói bíblico de Lamentações, o que sugere a essa pequena narrativa rosiana a possibilidade de ser estudada com o método intertextual.
Indaga-se neste ensaio sobre a presença da leminiscata, o símbolo do infinito, imagem posta ao
final de Grande Sertão: Veredas, e recorrente em sua representação e em seu significado no conjunto da obra rosiana. Propõe-se investigar como a literatura rosiana é capaz de aliar-se ao desenvolvimento da ciência e contribuir com a inovação, de modo a que seus estudos apresentem resultados válidos para a pesquisa científica, verificando-se qual a origem desse símbolo e qual a relação entre ele e as noções de tempo e espaço em Tutaméia Terceiras Estórias. Urge que se examine a travessia empreendida pelos personagens dessa obra, de acordo com o conceito de espaço, proposto por Doreen Massey, ao lado das concepções de tempo, conforme Henri Bergson.