Passados dez anos da estréia em livro, Guimarães Rosa publica, em 1956, pela então Livraria José Olympio Editora, Corpo de Baile e Grande sertão: veredas. A primeira obra sofreu modificações consideráveis em sua organização ao longo das três primeiras edições, que o autor, falecido em 1967, conheceu. Dividido inicialmente em dois volumes, Corpo de Baile foi reeditado em volume único, em 1960, e em três volumes autônomos, quando da terceira edição: Manuelzão e Miguilim (1964), No Urubuquaquá, no Pinhém (1965) e Noites do sertão (1965), passando a figurar Corpo de Baile como subtítulo. As novelas, que se relacionam entre si inclusive por meio da migração de personagens, tiveram ainda sua classificação apontada nos índices – Corpo de Baile apresenta um índice de abertura e um de conclusão – paulatinamente alterada, perdendo-se denominações, invertendo-se outras, e, por um provável descuido da editora, acrescentando-se novas falhas as já existentes ao longo do tempo, o que só foi sanado na edição comemorativa dos cinqüenta anos da obra, publicada pela Editora Nova Fronteira em 2006. Com este trabalho, objetivamos destacar algumas das alterações empreendidas em Corpo de Baile e analisar suas implicações no projeto original da obra. Veremos assim em que medida tais modificações prejudica(ra)m a compreensão da obra como um todo, como um só corpo que é.
Neste artigo nos propomos a pensar, numa perspectiva transdisciplinar, o fazer literário do escritor João Guimarães Rosa a partir das práticas de curadoria que passaram a prevalecer na década de 1970, nas artes visuais, com a chamada “virada curatorial”. A diluição da fronteira entre o papel do curador e do artista, a importância do uso da técnica de colagem na arte moderna e contemporânea e o caráter ensaístico da escrita crítica são as bases utilizadas para analisar o processo de escrita de Guimarães Rosa e de edição e publicação de seu livro Tutameia. A partir dessa análise, e estabelecendo um diálogo com a exposição Temporama da artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster e curadoria de Pablo Leon de la Barra, foi possível concluir que Guimarães Rosa não só exerceu um protagonismo ímpar na edição de seus livros, rasurando as fronteiras dos papéis de autor e editor, como também incorporou a estratégia poética da colagem e o caráter experimental do ensaio no seu processo criativo.
A verificação da constituição do livro como objeto requer estudos sobre a história da composição do livro como tal. Até estruturar-se da maneira como o conhecemos o livro passa por diversas etapas em sua dimenão material, dentre elas: os paratextos, a parte pré textual, organizacional de uma publicação. Conhecer os detalhes dessa estrutura editorial contribui para a organização e a leitura de uma obra. No entanto, há autores que usam da transgressão da norma para buscar o espírito artístico. Os prefácios da obra Tutameia de João Guimarães Rosa suscitam a questão essencial deste trabalho: a transgressão do autor os torna os prefácios da obra textos ou paratextos? A trajetória para a efetiva publicação da obra mostra o quão criterioso o autor foi na sua revisão editorial e quão importante é para o leitor entender esse processo.