Jornaleca

Nasci na Cidade Universitária

CIDADANIA

Aos 18 anos, ganhei uma nova nacionalidade: a uspiana. Depois de um longo, exaustivo e excludente processo seletivo, pude ingressar na maior universidade da América Latina – um espaço que até então, para mim, era símbolo de excelência técnica e palco de debates sociais.

Quando entrei pela primeira vez na Cidade Universitária, a atmosfera parecia ter se modificado. Era um ambiente propício para a formação de novas ideias, questionamentos e, principalmente, para a criação de uma consciência ativa no mundo. Olhando para trás, percebo que foi ali que eu renasci.

Ao passear pelos corredores, bandejões e praças da USP, a primeira coisa que eu percebi foi a diversidade. De corpos, realidades e culturas. Como se o ambiente universitário fosse um microcosmo da cidade que o cerca. Meus olhos brilhavam, me encontrei encantado. Mas, assim como o mundo afora daqueles três portões, as desigualdades e contradições também estavam presentes.

A instituição que prometia experiências “inesquecíveis” aos seus calouros, quando vista por um olhar mais crítico, também reproduzia as mazelas da sociedade. Em detalhes, como a imposição de muros e grades em seus espaços de vivência, a USP revela barreiras — não só físicas, mas também estruturais — ao seu acesso.

Mesmo a chegada ao campus já apresenta dificuldades. Depois de longos trajetos enfrentados pela maioria dos estudantes, a quantidade de ônibus circulares para ir até os institutos, muitas vezes, não é suficiente para toda a comunidade. Filas longas, lotação máxima e o atraso na entrega do cartão de gratuidade das linhas circulares são obstáculos frustrantes e desmotivantes, que já mudaram meu olhar sobre aquele mundo dos sonhos onde estava me refazendo.

Nas aulas, os professores e alunos podem compartilhar conhecimentos e experiências enriquecedoras. No entanto, muitos departamentos estão sofrendo pela falta de contratação de professores, o que sobrecarrega os já contratados ou deixa os estudantes sem aula. Assim, mais uma vez, a população que frequenta a Cidade Universitária é alvo de limitações.

Estive conversando com meus colegas e percebi que, mesmo que não seja uma questão que me afete, muitos reclamam da precariedade das políticas de permanência estudantil. Percebi muitas movimentações de coletivos que defendem as pautas de cidadania dentro da comunidade, todos ressaltando que há uma infinidade de filas de espera para a aquisição de bolsas de auxílio e que a infraestrutura do Crusp não atende a todos. A exposição à vulnerabilidade social impede que muitos alunos de graduação e pós-graduação possam completar seu ciclo de aprendizado e pesquisa.

Essas são apenas algumas das situações que exigem participação ativa de estudantes, professores e funcionários dessa cidade. Dentro dela, cada um traça seu caminho, mas cada caminho é indissociável de uma vivência coletiva. E a consciência cidadã é fundamental nesse espaço. Ela reside na compreensão de que a luta não é em torno de questões que afetam apenas a mim, mas sim ao todo. 

Entre a multiplicidade de histórias imiscuídas em um movimento comum e o caos dos obstáculos à frente da plena experiência universitária, o cenário propicia que estudantes de todas as partes do país e do mundo se reúnam e compartilhem suas perspectivas. Essa mistura de pontos de vista e ideias faz com que lutemos por nossos direitos, abrindo espaço para debates e diálogos profundos sobre questões sociais e políticas.

A complementaridade entre os estudantes, pesquisadores, corpo docente e funcionários no dia a dia cidadão pode promover ações que extrapolam os muros da Cidade Universitária, alcançando e transformando diferentes espaços. A extensão da universidade deve alcançar a população brasileira com reflexões e discussões a respeito de movimentos sociais, democracia e direitos humanos.

A USP não é um ambiente puramente acadêmico, mas uma cidade composta por pessoas, agentes de mudança para uma sociedade mais equilibrada, justa e inclusiva. E foi nesse ambiente plural, efervescente e contraditório que eu nasci. 

 *Capa: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil (com edições)

Lucas Lignon

Mirela Costa

Revisão: Nicolle Martins e Lara Soares

Jornaleca

Universidade de São Paulo - USP | Escola de Comunicações e Artes - ECA | Departamento de Jornalismo e Editoração - CJE | Disciplina: Conceitos e Gêneros do Jornalismo e suas Produções Textuais | Professor: Ricardo Alexino Ferreira| Secretária de Redação: Lara Soares | Editores: Nicolle Martins (Cidadania), Sofia Zizza (Ciências), Julia Alencar (Cultura), Gabriel Reis (Diversidades), Nícolas Dalmolim (Educação), Artur Abramo (Esportes) e João Chahad (Local).

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *