Jornaleca

Bom de bola, mas…

ESPORTES

O menininho nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, escutava desde criança que tinha talento com a bola. “Meu garoto é bom, acima da média!”, seu pai dizia com orgulho.

Por isso, quando tinha cinco anos, ele ingressou em uma das escolinhas filiais do Flamengo, o time que tinha sido posto em seu coração pelo pai. De família humilde, teve que ir morar com o tio para ficar mais perto do Ninho do Urubu e seguir o sonho com a bola no pé.

Aos sete, começou a treinar também o futsal, mas seu sonho sempre foi o futebol de campo, não tinha jeito! Assim, seguiu em frente até o grande dia chegar, o teste para entrar como jogador de base no time do seu coração. 

Sua aprovação não foi surpresa, ele era bom. O responsável pela sua entrada no time Sub-13 do Flamengo até o comparou com ex-jogadores famosos: “parecia com o ex-meia Adílio, fisicamente e também na capacidade de driblar”. Todo mundo que o assistia em campo, aquele menino pequeno correndo atrás da redonda com garra, percebia o futuro brilhante guardado para o próximo craque do futebol brasileiro.

Em sua jornada na base do time carioca, ele conquistou protagonismo em muitos campeonatos: a Copa Brasil Sub-15, Campeonato Carioca Sub-17 e foi destaque de gols na Copa São Paulo de Futebol Júnior. Em todas as competições, ele era anos mais novo que o limite das categorias e ainda assim competia de igual para igual. 

Muitos times tentaram tirá-lo do rubronegro, com ofertas inimagináveis para um garoto tão novo. Fiel, permaneceu e fechou contrato com o time profissional aos 16 anos, quando estreou em campo após pedidos da torcida. Todo mundo tinha muito orgulho do menino e sabia que ele era bom.

Na sua segunda partida pelo time oficial, ele entrou nos minutos finais e ainda conseguiu fazer uma jogada que animou a arquibancada e foi eleita como “o lance mais abusado do final de semana no futebol brasileiro”. Depois dessa partida, o Flamengo anunciou a sua venda para o Real Madrid, da Espanha.

Ele era bom e iria jogar em uma das grandes ligas.

Sua carreira no renomado time espanhol foi marcada pelo sucesso. Rapidamente, ganhou espaço na equipe e consagrou-se como craque. Pelo seu desempenho, foi convocado como titular pela Seleção Brasileira de Futebol.

Era um sonho, seu talento lapidado havia dado tantos frutos! Quando pequeno, ele ansiava ser jogador do time do seu coração, mas conseguiu conquistar muito mais que isso. As pessoas haviam dito que ele era bom e, agora, ele sabia que era verdade.

Só que o paraíso não durou muito. Mesmo com todos os títulos, jogadas decisivas e conquistas, mesmo sendo um dos melhores jogadores dos últimos tempos, ele enfrentava ofensas e críticas. Torcedores e equipes adversárias, comentaristas, organizadores de campeonatos e a sua própria torcida faziam comentários horríveis sobre ele, suas comemorações de gols, seu futebol.

Mas ele era bom, então o que havia de errado? Ele jogava com garra, corria atrás da bola com força de vontade e era decisivo em todos os jogos. O que havia de errado?

Ele era um estrangeiro, um brasileiro na Espanha. Ele era um jovem negro que recebia, merecidamente, um destaque que estava incomodando.

Gritos e insultos racistas da torcida adversária o seguiam antes mesmo das partidas começarem. Nas suas chegadas aos estádios, grupos de torcedores o xingavam logo na entrada. Sua morte foi simulada com um boneco enforcado usando sua camisa. O estádio cantava racismo enquanto a voz dos torcedores gritava “macaco” e outros xingamentos contra ele, que só queria jogar futebol. 

Os representantes de uma das ligas de futebol mais famosas do mundo nada fazem. Técnicos adversários o acusam de usar o racismo como desculpa para ofensas comuns no futebol. “Isso é coisa do espírito esportivo!”

Quando ele decide revidar, agir frente aos ataques, o resultado é uma expulsão. Era difícil entender.

Ele jogava bem, tão bem! Independente do time, ele merecia ao menos ser respeitado e ter seus anos de dedicação ao futebol reconhecidos. Outras pessoas com seu talento eram idolatradas até pelas torcidas adversárias. Diziam que era um deleite de ver tamanho domínio da bola, independente do time. Todo mundo admirava esses caras, porque com ele era diferente?

Ele era bom de bola, mas não era branco.

Bárbara de Aguiar

Ester Nascimento

Miriã Gama

Revisão: Artur Abramo e Lara Soares

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Universidade de São Paulo - USP | Escola de Comunicações e Artes - ECA | Departamento de Jornalismo e Editoração - CJE | Disciplina: Conceitos e Gêneros do Jornalismo e suas Produções Textuais | Professor: Ricardo Alexino Ferreira| Secretária de Redação: Lara Soares | Editores: Nicolle Martins (Cidadania), Sofia Zizza (Ciências), Julia Alencar (Cultura), Gabriel Reis (Diversidades), Nícolas Dalmolim (Educação), Artur Abramo (Esportes) e João Chahad (Local).

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