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EDUCAÇÃO

Cíntia fez tudo certo. Esteve de olho nos prazos, inscreveu-se, pagou o boleto. Estudou e revisou o conteúdo. Fez a travessia dos dois domingos, passou para a segunda fase. Mergulhou em perguntas e respostas, treinou redação. Colocou a rapidez da mão à prova, entregou os papéis para o fiscal. Aguardou ansiosa o resultado. Virou uma aluna USP e cantou: “eu já sofri demais, agora é só coisa boa”.

Cíntia cumpriu os ritos. Inundou-se de alegria, espalhou as boas-novas. Desfrutou da Semana de Recepção como quem não estivesse na faculdade para aprender. Chegou ao primeiro dia de aula com expectativa. Colocou todas aquelas canetas coloridas, “post-its” e marca-textos na mesa, como se ainda estivesse na escola. Foi conversar com os colegas. Teve o diálogo interrompido pelo “bom dia, bem-vindos” do docente. A partir daí, não entendeu mais nada.

Cíntia afundou-se em dúvidas. Do que raios falava esse ser humano? Onde estava todo aquele seu conhecimento do vestibular? Era só ela ou outros também entraram em pane cerebral? Não havia “slide”, lousa ou algo que não a fizesse dormir? Algum desses temas foi visto no Ensino Médio? Como seria possível aprender tudo isso agora?

Cíntia lembrou do EAD que a assombrou. Identificou o pouquíssimo assimilado naqueles três anos. Falou com seus companheiros. Compartilhou experiências de um ensino digitalizado e improvisado. Compreendeu o esforço dos professores, mas foi incapaz de absorver conteúdos. Uma angústia tomou conta de si, tão densa que era quase visível no ar.

Cíntia olhou à sua volta. Captou como alguns tiveram mais desafios do que outros para estarem ali. Entendeu que reuniões de “Google Meet” são ruins, mas não ter internet para estudar é pior. Soube dos problemas de concentração trazidos pela praga. Percebeu o quão ruim é, para um estudante de vestibular, perder um familiar.

Cíntia interpretou que a pandemia é injusta. Porque invadiu um momento crucial de sua vida. Porque a afastou da escola e dos colegas. Porque dificultou a aprendizagem de quem já teria dificuldade de estudar. Porque deixou longe os que deveriam estar perto. Porque, caso não ocorresse, poderia levá-la a entender o dito pelo professor naquela hora.

Cíntia percebeu seus desafios. Deu adeus à prova de 90 questões em 5 horas. Notou a avalanche de conteúdos que poderiam ser cruciais na sua profissão. Começou a questionar se o curso era para ela. Manteve-se receosa, seus ombros pesavam. Cogitou trancar a matrícula. Questionou-se sobre por que estava ali.

Mas, na mesma hora, recebeu apoio. Seu colega ao lado havia lhe oferecido um copo d’água. O choque e a ansiedade foram embora. Viu que alguém a ajudaria a combater as dificuldades pós-pandemia. Cíntia, então, percebeu que não estava sozinha.

Diogo Silva

Nícolas Dalmolim

Revisão: Nícolas Dalmolim e Lara Soares

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