Sala 39

O dia que o grafite me transformou em arte

Experiências de um urbanoide neurótico encontrando a si mesmo na arte das ruas.

Por: Couto, Jasmin, Pedro Malta, e Samuel Cerri

Editora: Paloma Saliba

Foto por André Deak, para o Arte Fora do Museu (www.arteforadomuseu.com.br)

Era uma manhã cinzenta na cidade, o céu nublado combinando com o concreto que se estendia diante dos meus olhos. Caminhava pelas ruas apressado, como se a rotina insistisse em me engolir. Ainda assim, algo chamou minha atenção: uma parede coberta por cores vibrantes, uma verdadeira explosão de vida em meio à estática monocromática.

A arte urbana sempre me fascinou. Desde criança, eu admirava os desenhos que apareciam nos muros, como se fossem segredos revelados em plena luz do dia. Aquelas imagens eram um convite para um mundo paralelo, onde a criatividade e a liberdade não tinham limites. E ali, naquele instante, senti a necessidade de me conectar com aquela manifestação artística.

Aproximei-me cautelosamente da parede, estava prestes a descobrir um tesouro escondido. Observava cada detalhe, cada traço meticuloso que revelava uma história, um sentimento. Aquele era o retrato da cultura que se insurgia nas veias da cidade, uma expressão da resistência diante das adversidades.

Percebi que as pessoas ao meu redor passavam despercebidas por aquele tesouro. Seus olhares apressados não enxergavam além do cotidiano, da monotonia. Mas eu decidi mergulhar naquela narrativa visual. Cada pincelada com o spray era um convite para desvendar novas camadas de significado, para conhecer um pouco mais da alma da cidade, para desvendar as histórias ocultas de vozes marginalizadas que clamam por justiça, igualdade e liberdade.

Aos poucos, fui me perdendo naquele universo de cores e formas. Cada grafite tinha sua própria voz, um grito silencioso que ecoava em minha mente. As imagens ganhavam vida, como se os personagens saltassem das paredes e viessem ao meu encontro. Senti-me parte daquele enredo urbano, um personagem que se permitia sonhar em meio à realidade opressora.

Cada rua era um novo capítulo dessa história. E assim, encontrei meu refúgio nas cores que desafiavam a monotonia, que desafiavam as convenções. Ali, naquelas paredes, encontrei uma voz que ecoava em sintonia com meus anseios mais profundos.

Ao me perder naquelas ruas pintadas, descobri uma conexão com a cultura urbana que nunca havia experimentado antes. Era como se, através daqueles grafites, pudesse expressar minha própria rebeldia, minha busca incessante por liberdade e autenticidade. A arte urbana não era apenas uma manifestação estética, era uma forma de resistir, de reivindicar meu lugar em meio ao caos da cidade.

Foto de Ze Carlos Barretta.

Meus passos se tornaram dança, o céu , um museu aberto para aqueles dispostos a enxergar além do óbvio. As paredes enfeitadas, desafiando a opressão dos muros cinzentos, símbolos da repressão contemporânea, me revelam o inconsciente coletivo: cada grafite é uma janela para a alma da comunidade, um espelho que reflete os anseios e as lutas de um povo, a voz que não se cala, permanece e resiste entre os becos e vielas

Enquanto seguia meu caminho, agora com um olhar renovado, percebi que a cultura e a arte urbana não eram apenas sobre as paredes pintadas, mas sobre a comunidade que se formava ao redor delas. Os artistas urbanos eram os arquitetos anônimos de um novo imaginário coletivo, conectando pessoas, inspirando diálogos e despertando questionamentos, enfim, reconstruindo a vida nas suas telas improvisadas da urbe

Aquela experiência despertou algo dentro de mim, um chamado para me redescobrir e buscar a beleza nas entrelinhas do cotidiano. O grafite e a cultura urbana haviam deixado uma marca indelével em minha alma, uma paleta de cores que coloriu meu mundo de uma forma única.

E assim, seguindo meu caminho, decidi que não seriam apenas as paredes que ganharam sentido com a arte urbana, mas cada passo que eu dava, cada ação que eu tomava. Eu seria parte integrante desse movimento, trazendo a arte e a cultura para todos os cantos por onde eu passasse. Porque, afinal, a verdadeira arte está em viver, em enxergar além das aparências e em deixar nossa própria marca no mundo.