São Paulo (AUN - USP) -Uma corda envolve o folheto com o programa do espetáculo, não por acaso. O objeto está presente em cena como suporte para outros elementos que motivam ações dos atores ou constituindo uma forca, metáfora para as angústias do homem na sociedade moderna. Assim como à época em que a peça foi escrita - 1956, auge da Guerra Fria -, “vivemos um momento árido, de falta d’água e de imobilidade – haja visto o trânsito”, comenta a diretora, Cristiane Paoli Quito. “No entanto, não quisemos passar uma idéia de desistência diante desse quadro”, continua.
O espetáculo foi dividido em duas partes: a primeira apresenta as cenas originais descritas pelo dramaturgo irlandês, enquanto na segunda, sem fala alguma, os atores exploram o vocabulário de ações propostas por ele jogando com a improvisação. “Ao investigar o trabalho do Beckett, descobrimos rotinas de palhaço, no limiar entre o patético e o sério”, explica a diretora. Esse caráter cômico convida o público a participar da peça e provoca reações curiosas.
A apresentação começa com as luzes acesas e os atores posicionados entre a platéia e o palco, então, apagam-se os holofotes, eles sobem no tablado e logo entram nos bastidores – para, em seguida, voltarem à cena. Esse também parece ser o movimento dos espectadores, que ficam em silêncio, segurando o riso no início da peça, mas vão se soltando no decorrer da encenação. “Outro dia, alguém da platéia pegou um saquinho plástico e começou a manuseá-lo de modo a fazer barulho, participando mesmo da cena”, conta Cristina, que assiste aos espetáculos sempre que pode.
A produção marca a formatura da 56ª turma de atores da EAD (que oferece curso técnico de dramaturgia) e conta com a colaboração de formandos da graduação do curso de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo (USP). Além de compor todo o elenco, os estudantes são responsáveis pela iluminação e pelo cenário – uma composição inusitada que usa areia como elemento principal.
Seguindo a tradição
Não é a primeira vez que um texto do dramaturgo ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1969 é encenado pela EAD. A primeira montagem brasileira de um de seus mais famosos trabalhos, “Esperando Godot”, foi dirigida pelo fundador da escola, Alfredo Mesquita, em 1955. No ano 2000, a mesma peça ganhou nova montagem sob a direção de Cristiane Paoli Quito.
A experiência com “Godot” foi importante para o aprofundamento do trabalho que levou a diretora a montar “Ato Sem Palavras 1”. Reações humanas frente às angústias da vida em sociedade são parte da temática de ambas as peças, classificadas como expoentes do “teatro do absurdo” – termo utilizado pela crítica teatral para designar obras que utilizam elementos chocantes e “ilógicos” para problematizar o comportamento humano.
Para Cristiane, no entanto, sua montagem em cartaz, “não coloca o silêncio e a imobilidade como sinônimos de desistência, mas como formas de resposta”.
A temporada de “Ato Sem Palavras 1” estreou no dia 29 de agosto e vai até 5 de outubro, no Teatro Laboratório da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP (Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 215 – Cidade Universitária, Butantã, São Paulo - SP). De quarta à sábado às 21 horas e nos domingos, às 20 horas. Entrada franca (é recomendável chegar uma hora antes do início do espetáculo para retirar seu ingresso na bilheteria).