São Paulo (AUN - USP) - Na Argentina, as décadas de 60 e 70 representaram, na política, um período de conturbação e golpes militares sucessivos e, na arte, um grande laboratório. É este o ponto de partida da palestra “Arte/Política no Conceitualismo Argentino dos Anos 60 e 70”, ministrada no Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP) por Fernando Davis, professor da Universidade Nacional de La Plata.
Foram abordadas as trajetórias de diversos artistas e sua relação com o contexto político. A palestra foi uma atividade paralela à exposição “Entre Atos: 1964-68”, em cartaz no MAC, que discute a arte brasileira num período igualmente conturbado. Para Cristina Freire, curadora da mostra, a palestra fez um contraponto em relação ao papel dos museus: no Brasil, o MAC pôde funcionar como lugar de acolhimento, criação e intercâmbio entre os artistas. Já na Argentina, muitas obras vão justamente no sentido de romper com os museus, questionando seu papel social e institucional.
Apesar deste contraste, Cristina vê muitos pontos de aproximação entre a arte dos dois países. Além das trocas diretas entre artistas (a chamada arte postal), a abertura para a experimentação pode ser vista como característica unificadora. Especificamente no caso argentino, Davis chama o conjunto de manifestações experimentais de conceitualismos, fazendo uma distinção em relação à arte conceitual: enquanto esta é entendida como movimento restrito à cena anglo-americana dos anos 60, os conceitualismos são manifestações mais complexas que extrapolam o campo das artes e não se limitam a um período, mas têm efeitos até o presente.
Na América Latina, os conceitualismos surgiram a partir da incorporação tardia de práticas da arte conceitual norte-americana e britânica. Relacionando estas técnicas com o contexto específico de seus países de origem, os artistas latinoamericanos criaram uma tendência identificada como “ideológica” ou “política”, mudando radicalmente a forma como a arte era entendida até então. A política não é incorporada apenas como tema, mas é parte integrante da forma, está nos questionamentos que a obra suscita, nas estratégias pelas quais é construída, na relação com o espectador.
Davis cita como exemplo emblemático desta postura questionadora a carta do artista Pablo Suárez renunciando à participação na mostra “Experiencias 1968”, que seria realizada no Instituto Di Tella, em Buenos Aires: “estas quatro paredes [do museu] transformam o que está dentro em arte, e a arte não é perigosa”, declarava o artista, passando a buscar outras formas de expressão que não precisassem ser intermediadas pela instituição.
A obra “Tierra” (1971), de Carlos Ginzburg, também se propõe a repensar a relação com o museu. Através de cartazes colocados no portão de um terreno em frente ao Museu de Arte Moderna de Buenos Aires, Ginzburg convidava os passantes a entrarem no museu para descobrirem uma “proposta estética escondida”. No lugar indicado, o público deveria olhar pela janela, vendo novamente o terreno, no qual grandes letras soletravam a palavra “tierra” (terra). O convite a entrar e em seguida levar o olhar novamente para fora é uma forma de pensar a relação do museu com seu exterior. Afinal, o espaço público é o cenário no qual a arte pode intervir, provocar.
É por isso, segundo Davis, que alguns artistas escolhem a rua como espaço privilegiado de atuação, em detrimento do museu. Um exemplo é Edgardo Antonio Vigo e sua série de “Señalamientos”, intervenções diretas no ambiente urbano. Sua proposta é indicar a potencialidade estética de objetos cotidianos que passam despercebidos, porque sua funcionalidade está em primeiro plano, como um semáforo. O objetivo é causar estranhamento, desnaturalizar o olhar do público sobre seu entorno, num tipo de estratégia que até hoje encontra ecos na arte contemporânea.