São Paulo (AUN - USP) - O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não é respeitado pelos clubes de futebol nas categorias de base, sendo comum crianças com menos de 14 anos desenvolverem precocemente uma carreira de atleta como exercício de atividade remunerada e em desacordo com a determinação da lei. Essa situação, segundo a professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP, Kátia Rubio, e pesquisadora na área de psicologia do esporte, é extremamente preocupante no que concerne à formação psíquica e emocional do futuro jogador como indivíduo. “O ECA é aplicada para as crianças que colhem tomate, que quebram pedra em São Tomé das Letras, que colhem cana e curiosamente no futebol não”, diz Kátia. Geralmente o pai do jovem atleta recebe o salário em nome do filho para driblar a legislação. A professora ainda constata que há muitos interesses e dinheiro envolvidos em todo esse processo, mas a lei tem que ser aplicada.
Os jogadores de futebol no Brasil começam a atuar e já a ganhar elevados salários ainda muito cedo. O atacante do Santos e sensação do momento Neymar, por exemplo, aos 14 anos já recebia um salário mensal de R$ 25 mil. Hoje, o jogador ganha do Santos R$ 180 mil mensalmente e R$ 300 mil de luvas anuais, além dos US$ 150 mil por ano que recebe da sua patrocinadora Nike. Sendo assim, segundo a pesquisadora, “esses garotos se tornam responsáveis pela manutenção de todo um sistema familiar e focam toda sua vida na constituição na sua carreira como atleta. Porém, as coisas não acontecem proporcionalmente no plano pessoal”. Ainda muito novos, eles se deparam rapidamente com o sucesso e à riqueza, mas não têm tem uma estruturação emocional adequada para lidar com tudo isso.
Embora, quase sempre assessorados ou tutelados pelos pais ou empresários, “falta um suporte emocional para que eles possam se desenvolver plenamente e lidar de forma autônoma com as questões da vida”, diz Kátia. Até mesmo alguns clubes começam a se preparar no sentido de dar uma estrutura melhor ao futuro atleta, “mas, maquiavelicamente, pensando num jogador como um produto, não como uma pessoa”, ainda de acordo com a pesquisadora Kátia Rubio. Assim, esse trabalho nem sempre é consistente. Muitas vezes ele é feito focando, quase que exclusivamente, o valor de mercado do atleta e, portanto, não se configurando como meio verdadeiramente eficiente para a formação de um indivíduo autônomo, confiante e consciente.