ISSN 2359-5191

04/12/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 122 - Saúde - Faculdade de Medicina
Neurocientista Miguel Nicolelis fala de seus projetos em palestra na Faculdade de Medicina

São Paulo (AUN - USP) - Em comemoração ao centenário da Faculdade de Medicina (FM), o teatro da instituição tem sido palco de uma série de conferências. Uma delas, intitulada “Muito além do nosso eu: o cérebro movendo o mundo”, foi realizada pelo neurocientista Miguel Nicolelis e lotou o auditório com centenas de estudantes de medicina, professores e curiosos.

Durantes sua apresentação, Nicolelis falou sobre o trabalho de seu laboratório na Duke University, nos Estados Unidos, onde leciona neurobiologia, e a respeito dos estudos que tem liderado sobre o sistema nervoso e o modo como o cérebro funciona.

Formado em medicina pela FM, o premiadíssimo professor, que já foi apontado como um dos maior importantes cientistas do últimos tempos pela Scientific American, iniciou sua fala com um breve histórico da neurociência. Relembrando Donald Hebb, um dos precursores do ramo e cujas ideias foram repudiadas à época do lançamento, Nicolelis afirmou que hoje o foco dos estudos na área são as populações de neurônios, e não cada neurônio individualmente. “Entender o sistema nervoso um neurônio de cada vez é como tentar compreender o ecossistema de uma floresta estudando uma árvore por vez.”, explicou o médico.

Algumas das perguntas propostas por Hebb mais de 60 anos atrás permanecem, inclusive, como motivo fios condutores da pesquisa até hoje. Se é verdade, por exemplo, que não é apenas um neurônio, mas uma população deles que determina o comportamento de certos aspectos do nosso corpo, quantos neurônios são necessários para que um comportamento seja sustentado? Será que são sempre os mesmos neurônios que executam as mesmas tarefas, ou grupos diferentes podem realizar a mesma atividade? É possível que a mesma população realize diversos comportamentos ao mesmo tempo?

Foi com o intuito de tentar responder algumas dessas perguntas que Nicolelis começou, anos atrás, a realizar experimentos de monitoramento de neurônios de camundongos e símios. De métodos extremamente limitados uma década atrás, o laboratório do pesquisador possui hoje equipamentos sem fio capazes de analisar o comportamento de mais de mil neurônios de cada vez, o que, apesar de um número proporcionalmente pequeno em relação ao sistema nervoso como um todo, é uma infinidade para os estudiosos.

Em um dos experimentos que liderou para descobrir mais a respeito do funcionamento do cérebro, o professor colocou primatas para jogarem um jogo virtual usando um joystick, enquanto tinham seus cérebros monitorados pela equipe. O objetivo do jogo era fazer com que um ponto, controlado pelo macaco, atingisse círculos que se formavam em lugares aleatórios da tela. A cada acerto, os “jogadores” eram recompensados com gotas de suco de laranja. Enquanto isso, um software recriava, com base nos neurônios dos macacos, os movimentos em um braço mecânico.

Uma vez que o funcionamento do jogo era assimilado pelos primatas, o joystick era retirado e eles precisavam realizar a mesma ação de antes, mas apenas mentalmente, fazendo com que o braço mecânico se movesse. Em pouco tempo eles conseguiram não apenas aprender a realizar os movimentos do braço e jogar o jogo usando apenas a mente, sem mover sequer um músculo, como também chegaram ao mesmo nível de proficiência na atividade que tinham usando o joystick. “Para todos os efeitos, eles adquiriram um terceiro membro superior, controlado apenas pela mente”, apontou Nicolelis.

Esse experimento inicial, bem como outros que vinham sendo realizados simultaneamente por cientistas de outros países, abriu caminho para outras experimentações por parte do grupo chefiado pelo médico.

Foi assim que a equipe conseguiu, em uma parceria realizada pouco depois com cientistas japoneses, fazer com que um robô em Kyoto caminhasse, controlado à distância pelos neurônios de um macaco no laboratório da Duke, na Carolina do Norte.

Em ainda outro estudo do grupo, camundongos tiveram seus córtices ligados a aparelhos que emitiam pequenas descargas elétricas ao entrar em contato com raios infravermelhos, que imperceptíveis a olho nu. Guiados pelas descargas do aparelho, os ratos se encaminhavam a determinados locais do ambiente em que eram colocados, ganhando recompensas ao chegar ao destino desejado. Com isso, a equipe de Nicolelis desenvolveu nos aparelhos nervosos desses indivíduos novas áreas sensoriais, antes inexistentes. Experimentos similares ainda não foram recriados em humanos, fazendo com que, curiosamente, não se saiba qual foi a sensação obtida pelos camundongos durante o experimento.

Toda essa pesquisa chefiada pelo médico tem gerado novas possibilidades em diversas áreas. Em termos de monitoramento, por exemplo, o grupo já é capaz de analisar simultaneamente mais de mil neurônios, e tem perspectivas de multiplicar esse número nos próximos anos, algo inimaginável uma década atrás.

O grande objetivo por trás do trabalho de Nicolelis, entretanto, tem se materializado no Walk Again (http://www.walkagainproject.org/), um projeto multinacional que toma como base os dados já obtidos pelo time da Duke sobre o comportamento do cérebro com membros mecânicos e interfaces eletrônicas. A proposta do Walk Again é fazer com que pessoas desabilitadas voltem a ter movimentação utilizando-se de ferramentas artificiais conectadas ao sistema nervoso. O projeto, que já foi apontado pela ,i>Scientific American como tendo enorme potencial de mudança social, pode tornar possível, por exemplo, que um paraplégico deixe a cadeira de rodas e volte a caminhar, utilizando um exoesqueleto eletrônico que responde diretamente aos impulsos de seu cérebro. A “inauguração” do projeto é esperada para a abertura da Copa do Mundo do Brasil, em 2014, quando Nicolelis planeja que um brasileiro paralisado, equipado com o exoesqueleto, se levante de sua cadeira e dê o chute inicial abrirá o evento.

Leia também...
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br