ISSN 2359-5191

09/12/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 97 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
HQs do Capitão América reafirmam “mitos nacionais” norte-americanos
Série sobre pós-11 de setembro e guerra ao terror é exemplo emblemático
Capitão América e o “sonho americano”

Há 73 anos, com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, a Timely Comics, atualmente Marvel Comics, levou ao público norte-americano um super-herói novo e totalmente singular. Trata-se do Capitão América, personagem criado por Joe Simon e Jack Kirby, que surgiu estampando a bandeira de seu país em seus trajes de super-herói e se engajando em combater os inimigos dos EUA.

Se suas primeiras histórias estavam profundamente conectadas com os esforços e a propaganda de guerra norte-americana para derrotar a ameaça nazista e fascista, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Capitão América passou por muitas transformações. As HQs continuaram a ser publicadas – no entanto, o personagem passou pelas mãos de diferentes equipes criativas, que procuraram fazer modificações ou ajustes para mantê-lo atualizado a um mercado consumidor e conjunturas políticas e culturais em constante mudança. Isso é o que mostra Rodrigo Aparecido de Araújo Pedroso, em dissertação de mestrado Vestindo ainda mais a bandeira dos EUA: o Capitão América pós-atentados de 11 de setembro.

Diferentes "configurações" do herói.

As mudanças apontadas por Rodrigo caracterizam, segundo ele, tentativas, em certa medida, de adaptar os quadrinhos a novos contextos históricos, relacionando o herói a fatos considerados importantes ligados à política interna e externa dos Estados Unidos, mais recentemente, a guerra contra o terror. Assim, um ano depois da tragédia que marcou a história dos norte-americanos, a Marvel Comics publicou, entre junho e dezembro de 2012, uma nova série de quadrinhos do Capitão América ambientadas no contexto pós-11 de setembro. Essas histórias foram escritas por John Ney Rieber e desenhadas por John Cassaday. O objetivo era criar uma nova versão do herói que luta por uma versão dos Estados Unidos ideal, ou seja, o Capitão América luta para transformar a realidade americana.

O pesquisador analisou a nova configuração do personagem nessa série e a forma como ela dialoga com as questões que estavam em pauta no contexto em que foram produzidas. Ele observou, por exemplo, que, nessas histórias em quadrinhos pós-atentados de 11 de setembro, o Capitão América é mais do que um soldado lutando por seu país: “Ele pode ser considerado uma representação de valores e ideais que fazem parte do imaginário norte-americano e que remetem à Declaração de Independência e a uma autosseleção do passado americano, onde fatos reais e interpretações míticas da América estão unidos”, comenta o autor.

Rodrigo defende que o tema do “sonho americano” está presente nas narrativas, em duas visões: uma é a busca por ideais utópicos de liberdade e igualdade, que são considerados valores universais imprescindíveis a todos os seres humanos. A outra visão é uma busca por ideais individuais, pela “felicidade”, que muitas vezes se manifesta de forma materialista (uma busca por bens, propriedades, riquezas, entre outras coisas). O “novo” Capitão América encarna estas duas visões do sonho americano. Assim, as HQs apresentam uma função que vai além de uma mera propaganda ideológica patriótica. Elas reafirmam antigos “mitos nacionais” e usam o poder mobilizador deles para gerar um cenário fictício onde estes, na figura do Capitão América, se tornam uma alternativa válida para superar a crise gerada pelos atentados de 11 de setembro.

 

A guerra ao terror.

Crítica e pacifismo

As histórias dessa série apresentam, primeiro, o Capitão América tentando desesperadamente retirar alguém com vida dos escombros das torres do World Trade Center e, depois, combatendo terroristas que invadiram uma pequena cidade do interior e fizeram os moradores reféns, cabendo ao herói livrar as pessoas dos inimigos. No decorrer dessa aventura, o super-herói é levado a fazer uma viagem por suas lembranças da Segunda Guerra, quando retorna à Alemanha para combater o grande responsável pelo ataque à pequena cidade.

Rodrigo apresenta os dois principais antagonistas dessas HQs: Faysal Al-Tariq e o Mestre dos terroristas. Por meio de suas ações e discursos, trazem à tona fatos ignorados pelo Capitão América e por grande parte dos cidadãos de seu país – o que permite ao HQ, segundo Rodrigo, “questionar a pretensa ‘inocência’ dos EUA”. Ao confrontar esses antagonistas, o Capitão América toma conhecimento de tais fatos, e isso permite que ele reflita sobre o papel que seu país tem desempenhado ao longo do século 20. As críticas que as HQs apresentam têm como tônica ressaltar o caráter contestador e pacifista do personagem.

Questionamentos sobre o papel dos EUA aparecem em HQs.

Rodrigo também mostra que, mesmo refletindo alguns estereótipos com relação à religião muçulmana, os autores das HQs procuraram não contribuir para incentivar a “cultura do medo”. Em vez disso, transmitem mensagens de esperança, tolerância e união, como evidencia a participação de um personagem chamado Samir na HQ, que perdoa seu agressor e pede para que o Capitão o deixe ir. Samir também demonstra que sente muito pela perda de seu conterrâneo nova-iorquino e, no penúltimo quadro, eles apertam as mãos, em um claro sinal de reconciliação e respeito. 

Com isso, as críticas e os questionamentos expostos pelos autores das HQs, de certa forma, fazem parte das discussões que ocorreram nos Estados Unidos após os atentados e o início da guerra contra o terror. Embora suaves, constituem, segundo Rodrigo, um aprofundamento das questões expostas no discurso do presidente Bush, somadas ao questionamento da própria população norte-americana, de quais seriam as reais intenções dessa nova guerra contra o terror e do papel dos EUA diante desse novo cenário que se apresentava.

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