ISSN 2359-5191

12/06/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 48 - Arte e Cultura - Instituto de Estudos Brasileiros
Cadernos de desenho da pintora Anita Malfatti são reinterpretados
Pesquisadora estuda fase da artista em Paris e propõe novas leituras para suas obras
Autorretrato de Anita Malfatti (1922). Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP). Reprodução fotográfica: Leonardo Crescenti

Nas escolas, geralmente o contato com Anita Malfatti é feito quando se estuda o modernismo brasileiro. Os livros didáticos mencionam a importante exposição que a artista fez em 1917, em sua fase expressionista, e a reação repulsiva de Monteiro Lobato e de setores conservadores às obras. Depois disso, pouco se fala sobre sua trajetória. “A obra da Anita é muito vasta, e não se restringe à importante fase expressionista. Parece que a artista ficou engessada após esse período, o que não é verdade”, afirma a pesquisadora Roberta Paredes Valin, que em sua dissertação de mestrado, realizada no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), estudou documentos e obras de Anita Malfatti no período em que ela esteve na França, nos anos 20.  

A pintora foi a Paris como bolsista do Pensionato Artístico de São Paulo, programa que visava suprir a escassez de instituições de formação artística básica no estado, permanecendo por lá entre 1923 e 1928. A proposta da pesquisa é estudar o processo de criação da artista no período, por meio de seus cadernos de desenho, em diálogo com suas obras e com a história da arte. A reconstituição desse processo criativo, algo em voga nas artes visuais, foi possível graças à parte do acervo de Anita Malfatti que está salvaguardado nas dependências do IEB, como seus cadernos originais, correspondências e fotografias.

A pesquisa apresenta aspectos desconhecidos dos cadernos de Anita, como o projeto pictórico para a tela Ressurreição de Lázaro (1928), possivelmente feita como a obra final exigida pelo Pensionato. Ao relacionar os cadernos à correspondência de Anita com seu grande amigo Mário de Andrade, Roberta percebeu que, já em 1924, “a artista pensava que deveria fazer uma tela de grandes dimensões, de tema religioso, conforme normas do Pensionato". Uma tentativa de colocar em ordem cronológica os cadernos, que não são datados, também reforça o projeto para a obra. "Ao longo dos cinco anos na França, ela continuou conversando com o Mário sobre o tema. Em 1925, ela fez um estudo em tela. Em 1927, é feita uma viagem à Itália, onde a artista obteve notáveis referências visitando museus e, consequentemente, tendo contato com telas importantes que abordam o tema bíblico em questão”, afirma Roberta. As fotografias de obras de artistas italianos como Giotto di Bondone e Fra Angelico, presentes no acervo de Anita, sustentam a constantação da pesquisadora. Roberta também afirma que essa tela da artista é a única que apresenta uma sequência de esboços nos cadernos, o que evidencia um estudo progressivo e evolutivo até a obra acabada.


 
Ressurreição de Lázaro (1928), de Anita Malfatti, atualmente no Museu de Arte de São Paulo. Sob a pintura final, está a primeira versão da obra, até hoje desconhecida. Crédito: reprodução. 
 

A obra, pouco conhecida, tem várias peculiaridades. A tela deveria ser entregue à Pinacoteca do Estado de São Paulo, se considerada como obra final do Pensionato. A artista, no entanto, deixou outra tela no museu, a obra Tropical, de 1917, feita antes mesmo de seu período como bolsista na França. Após a morte da pintora, a família doou Ressurreição de Lázaro para o Museu de Arte Sacra de São Paulo, onde se encontra atualmente. A obra também sofreu modificações. A pesquisadora, a partir da correspondência entre Anita e Mário de Andrade, diz que “depois de finalizar uma tela de grandes dimensões, Anita partiu para a Itália. Na volta, ela fez algumas alterações importantes na pintura. Sob a tela atual, está a primeira versão da obra”, desconhecida até hoje, e que só poderia ser confirmada com o uso de tecnologia apropriada. Roberta, na pesquisa, também não conseguiu apontar ao certo o paradeiro da tela-estudo para Ressurreição de Lázaro.

O tema dessa obra, para a pesquisadora, é quase um testemunho autobiográfico de Anita Malfatti, que era muito religiosa. "A temporada em Paris foi difícil para ela, que demorou para se adaptar. Em suas cartas, ela afirma ter encontrado força para superar as adversidades lendo episódios bíblicos. Foi assim que, provavelmente, o tema da ressurreição de Lázaro tenha surgido para a artista. Ela voltou à vida e encontrou sentido para sua pintura, assim como Lázaro, por meio da fé". A pesquisadora afirma que entender o processo de criação da obra foi "uma importante tentativa de contribuição, pois o tema ainda não havia sido trabalhado com profundidade".

Em vez de ruptura ou regressão, Roberta prefere a ideia, apontada por outros pesquisadores, de continuidade na produção artística de Anita, mas com mudanças de estilo. Há uma espécie de retorno à ordem, iniciada já no fim da exposição de 1917. "A fase em Paris é pouco estudada porque, para muitos, é uma espécie de regressão artística dela. Essa ideia foi construída pelos modernistas, que não viam ali a 'Anita de 1917'. É uma questão que precisa e já começa a ser revista", afirma a pesquisadora. Depois da fase expressionista, a artista dizia não querer se prender a nenhum movimento artístico. Por mais que depois de 1917 ela não estivesse tão afinada com o discurso do modernismo brasileiro, “Anita estava antenada com o que acontecia internacionalmente, sobretudo na França, para onde ela foi. Lá, a Escola de Paris experimentava um retorno à ordem, sem os excessos das vanguardas artísticas”, diz Roberta.

Durante o mestrado, a pesquisadora participou de um projeto para estudar o acervo, também disponível no IEB, da ex-professora do Instituto Marta Rossetti Batista, autora de destacados estudos sobre a vida e a obra de Anita Malfatti. Assim, foi possível à Roberta estudar o acervo pessoal da pesquisadora e colocá-lo em diálogo com o acervo da artista, o que foi importante para sua dissertação. A orientadora de sua pesquisa, a professora Ana Paula Simioni, também realiza importantes estudos sobre Anita Malfatti. Grande parte dos desenhos presentes nos cadernos de Anita estão reproduzidos num volume dedicado à artista da Coleção Cadernos de Desenho, organizada por Lygia Eluf.
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