A professora Marilene Lopes e a equipe do seu laboratório, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, verificaram que a interação das proteínas príon celular e HOP no sistema nervoso é importante para uma série de processos – como a diferenciação neuronal, neuroplasticidade, cognição e memória – e também para o crescimento do glioblastoma, tipo mais comum de câncer no cérebro.
A pesquisa averiguou níveis elevados das duas proteínas em pacientes com glioblastoma, apontando para um possível envolvimento dessas substâncias no desenvolvimento do tumor. Para entender o papel das proteínas no processo, o laboratório utilizou dois modelos: cultura de células e em camundongos.
Atuação das proteínas é comprovada
In vitro, verificou-se a proliferação das células tumorais que apresentavam a PrPc (proteína príon) após colocá-las em contato com a HOP, em contraste com as que haviam tido a PrPc silenciada. Já in vivo, foram enxertadas células tumorais humanas em camundongos através de uma cirurgia – o que apenas foi possível por serem espécimes imunodeficientes, que portanto não rejeitaram essas células – e, com o auxílio de um mecanismo que colocava HOP continuamente na região intratumoral (bomba mini-osmótica), também se verificou a proliferação das células que expressavam a PrPc. Com o aumento do tumor, a sobrevida diminuiu.
“Trabalhamos com células tumorigênicas, capazes de formar tumor no animal. Nós utilizamos mais de uma linhagem e obtivemos a mesma resposta”, diz a professora. Conforme ela explica, as diferentes linhagens eram derivadas de pacientes distintos com glioblastoma. A correlação entre o desenvolvimento do tumor e as duas proteínas foi, portanto, comprovada pela equipe. Elas, juntas, atuam como mediadoras no aumento tumoral. O passo seguinte corresponde à busca por soluções estratégicas, visando impedir a relação HOP/PrPc.
Alternativa para tratamento
“A gente mapeou o domínio de interação entre as duas moléculas e, a partir da região da HOP que interage com a PrPc, nós mandamos sintetizar um peptídeo, uma cadeia polipeptídica curta que mimetiza esse domínio”, explica Lopes. A equipe realizou, então, o chamado ensaio de ligação, para que as moléculas competissem e o peptídeo inibisse a ligação da HOP com a proteína príon, tarefa na qual ele obteve sucesso.
Em seguida, o peptídeo foi dado diretamente à região intratumoral de camundongos, também com o método da bomba mini-osmótica. “Além disso, nos tínhamos dados extremamente importantes de que esse peptídeo é neuroprotetor, capaz de modular processos de memória”, completa. Os resultados apontaram um aumento da sobrevida dos animais e redução do tumor.
Gliomas
O câncer de célula da glia ou glioma apresenta quatro graus, sendo o quarto (que então recebe o nome de glioblastoma) o mais grave. Trata-se do tipo mais comum de câncer no cérebro, correspondendo a 70% dos tumores no sistema nervoso central segundo o A.C.Camargo Cancer Center, e é bastante agressivo. Após o diagnóstico, um paciente com o grau 4 apresenta uma sobrevida de 12 a 14 meses, em média. A maior parte da pesquisa do ICB utilizou linhagens de células de grau 3 para grau 4.
Apesar do sucesso dos testes em laboratório e da trajetória promissora da pesquisa, métodos terapêuticos menos invasivos precisam ser desenvolvidos e testados para se viabilizar futuramente o tratamento em pessoas.