ISSN 2359-5191

18/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 77 - Educação - Faculdade de Educação
Harry Potter: História pode contribuir para a formação
Em meio a aventuras do heroi, leitor é levado a refletir sobre questões de ordem moral, espiritual e existencial
O símbolo das Relíquias da morte é só um dentre os muitos que marcam a saga (Crédito: Social Spirit)

As aventuras do bruxinho criado por J.K. Rowling entretêm milhões de pessoas ao redor do mundo até hoje, seja em seu formato original de livro ou em sua adaptação para o cinema. No entanto, Júlio Pancracio Valim defendeu, em sua dissertação de mestrado, que a saga pode fazer muito mais do que apenas divertir.

Um dos fatores que levou o pesquisador à escolha de seu tema foi “o impressionante sucesso de público” da saga. Ele explica: “Era para mim um dado relevante a formação de centenas de milhões de pessoas ao redor de todo o mundo por meio da fruição dessa estória – o que ficava mais intrigante quando se considera que havia em alguns espaços um debate sobre a crise da leitura entre jovens e adolescentes.”

Valim parte de uma premissa de educação que diz que o aprendizado ocorre “a todo tempo e de maneira estética”, por ser ele uma necessidade e, consequentemente, depender das experiências pessoais. Assim, excedendo as compreensões pedagógicas mais conservadoras e tecnicizantes, acredita que o extracurricular, ou seja, aquilo que se aprende fora da sala de aula ou além dos conteúdos obrigatórios, contribui de maneira significativa para a formação dos indivíduos.

Sua pesquisa está dividida em três partes. Na primeira delas, Valim propõe uma reflexão acerca da arte-educação, com base no tema. “Assistir aos filmes do jovem bruxo seria algo instrutivo? Traz algum aprendizado? Como e por que isso acontece? Ao que parece, aqueles que acompanharam a série têm suficiente certeza sobre aprendizados vividos no decorrer da estória, ainda que, por quaisquer motivos, se resista ou ignore essa constatação.”

Valim comenta sobre o desprezo que é comum que se dê à potência educativa da arte. Além disso, apresenta exemplos de passagens da saga que incitam reflexões sobre aspectos como a relativização do bem e do mal ou as relações professor-aluno e mestre-discípulo. “Por certo, não aprendemos a produzir feitiços e magias, mas descobriremos sentimentos, maneiras de vivenciar sentidos de responsabilidade, justiça, amor, amizade, medo, coragem, angústia, escolha, e, nesse ato, crescemos, ao compreender o mundo, o outro e a nós mesmos.”

O pesquisador reforça, ainda, a importância da experiência. Ao mesmo tempo em que ela norteia os interesses, a visão de mundo e a forma de aprender de uma pessoa, é também ressignificada a partir de cada nova experiência. “Nos transformaremos pelas impressões significativas geradas pela arte, cuja fruição proporciona ao indivíduo a habilidade de notar sua própria condição, sua forma singular de interação com o mundo”, diz. “Não pode haver conhecimento sem sentimento, já que é a partir da experimentação individual que se constrói um significado para essa própria experiência.”

O segundo capítulo da dissertação propõe uma interpretação mitohermenêutica da obra, ou seja, a identificação de seus elementos míticos/mitológicos e a compreensão do todo levando-se em conta o poder e o efeito de tais símbolos. Tendo a narrativa de Harry Potter um carater heroico e contemplando as etapas de separação, iniciação e retorno que caracterizam o mito, tal estudo pode ser realizado sem grandes adaptações.

Um exemplo interessante é a leitura dos termos originais dos quais derivam os conceitos de “bruxo” e “trouxa” (pessoa que não é bruxa) em português. São eles: “wizard” e “muggle”, respectivamente. Na língua inglesa, há muitas outras palavras de sentido aproximado, e que provavelmente seriam traduzidas da mesma forma. No entanto, somente wizard deriva de “wise” (sabedoria), e somente muggle era usada frequentemente em se tratando de máquinas. Ou seja, somente o wizard tem o saber imposto a ele, ainda que desconheça que sabe, e somente o muggle desconhece a mecânica, os mecanismos do mundo.

Há ainda outros símbolos, outras palavras e outras referências, como a cobra (Nagini), o raio (da cicatriz de Harry), os nomes de pessoas, feitiços e lugares, o domínio seguro (Hogwarts), o domínio inacessível (Floresta Proibida).

Concluindo o trabalho, a terceira e última parte versa sobre os pressupostos filosóficos que o norteiam e embasam, dentre os quais é central o conceito de “imaginário”, formulado por Gilbert Durand. O autor, ao dizer ser a imaginação a “faculdade humana responsável pela produção de toda forma de significação”, o coloca não só como anterior, mas como superior, em abrangência e enquanto instância, à razão.

A compreensão da série Harry Potter como um mito é apenas uma das muitas formas de se apresentar seu papel formador. Sabendo-se que os mitos são fruto de um grupo com determinados valores, crenças, leis e costumes, é facilmente perceptível o impacto que a obra possui em um leitor desse ou de outro agrupamento, as lições que pode passar e os questionamentos que pode provocar.

Por isso, Júlio conclui: “Harry Potter nos motiva a requalificar nossa experiência da vida, do outro e das coisas, extrapolando a clausura do entendimento e do individualismo, e, nesse movimento, nos recondiciona em nossa relação com o universo, nos ensinando que viver um mundo repleto de magia depende de nossas escolhas.”

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