ISSN 2359-5191

18/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 77 - Sociedade - Instituto de Estudos Brasileiros
Projeto de difusão cultural do Brasil foi estabelecido pelo governo federal nos anos 1950
Circulação de intelectuais em universidades internacionais para divulgar o país é estudada pela primeira vez na historiografia

A política externa brasileira experimentou um de seus períodos mais ambiciosos entre 1952 e 1955, quando foram fundadas cátedras na área de Estudos Brasileiros em renomadas universidades estrangeiras, para divulgar culturalmente o país. A iniciativa, que levava intelectuais brasileiros para ocupar as cátedras, foi estudada pela primeira vez na historiografia com as pesquisas de pós-doutorado de Thiago Lima Nicodemo, realizadas no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP).

As duas pesquisas de Thiago, com foco no mesmo tema, tentam compreender, segundo ele, “a missão de divulgação cultural do Brasil na América e na Europa, entre os anos 1930 e 1950”. Esse processo ganhou maior estrutura quando a Divisão Cultural do Itamaraty, ligada ao Ministério das Relações Exteriores e responsável pela política cultural externa do país, deu ênfase ao projeto de fundação de cátedras de Estudos Brasileiros em cerca de 15 universidades no exterior, entre 1952 e 1955. 

Para Thiago, “há pouquíssimas evidências de projetos como esse na diplomacia cultural brasileira”. Esse esforço do Itamaraty nos anos 1950 unificou, num projeto centralizador e institucionalizado, várias iniciativas difusas de divulgação cultural das décadas anteriores.

Além das cátedras, o projeto também previa a fundação de centros de estudos culturais nos moldes dos institutos Goethe e Cervantes, da Alemanha e da Espanha, respectivamente. Segundo Thiago, “o projeto ocupou papel central na política de difusão cultural brasileira nos anos 1950”.

O pesquisador explicou que a criação das cátedras se deu num contexto de disseminação de institutos de estudos latino-americanos nos Estados Unidos, a partir dos anos 1940, quando este país buscava sedimentar sua influência na América Latina. Ao mesmo tempo, numa espécie de contra-ataque, a Europa se aproximava da América Latina por meio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), após a Segunda Guerra Mundial, num movimento de cooperação intelectual internacional e de promoção da paz e do entendimento entre as nações. Para Thiago, no pós-Segunda Guerra, “enxergava-se que a cultura brasileira poderia contribuir para a revisão de narrativas etnocêntricas e eurocêntricas, algo promovido pela pela própria Unesco”.

Em 1952, o governo brasileiro, por meio do Ministério das Relações Exteriores, enviou convites a cerca de 15 universidades de prestígio na América e na Europa, oferecendo a implementação das cátedras. “O ministério indicava o nome de importantes professores, além de fomentar o projeto, oferecendo-o sem ônus aos países, pois era responsável pelo salário dos intelectuais”, explicou Thiago.

Thiago chamou a atenção para a presença de países da América Latina no projeto. Para o pesquisador, “a ideia do Brasil como potência e como país do futuro não foi um discurso de afirmação cultural promovido somente dentro do país ou nos espaços externos de dependência, como Europa e Estados Unidos, mas também nas zonas de influência do Brasil, onde o país detinha certa proeminência cultural, como em alguns países da América Latina”. Abaixo encontram-se as universidades e professores contemplados, inicialmente, no projeto do Itamaraty.

Uma vez instituída, a cátedra deveria tornar-se um núcleo de difusão cultural, articulando a divulgação do Brasil por meio da promoção de conferências, exposições, traduções de obras brasileiras e publicações em geral. Thiago comentou que, por isso, “era desejável que o professor enviado fosse capaz de dar aulas sobre variados temas, como literatura, história, sociologia e arte”.

O projeto acabou se desarticulando em meados de 1955, com o término do contrato da primeira leva de professores. Para o pesquisador, isso ocorreu provavelmente por “remanejamento das verbas e de prioridades do Itamaraty”. Thiago reforça que não existem elementos concretos que liguem o projeto a Getúlio Vargas, então em seu segundo mandato como presidente do Brasil quando o projeto se iniciou. É possível que o fim do seu governo tenha sido fator determinante para o declínio da iniciativa. Algumas universidades, como a Universidade de Roma, institucionalizaram a cátedra de Estudos Brasileiros e passaram a mantê-la com seus próprios recursos.

Ao pesquisar o período em que o intelectual Sérgio Buarque de Holanda viveu na Itália, entre 1952 e 1954, como parte de seu doutorado, Thiago motivou-se a estudar a política cultural brasileira do período. Ele encontrou documentos que indicavam que a fundação da cátedra de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma, que foi ocupada por Sérgio Buarque, fazia parte de um projeto ambicioso de difusão cultural do Brasil na América e na Europa. Ao estudar a iniciativa,Thiago percebeu que o projeto se inseria num contexto de reorganização da política cultural do país, iniciada durante a Segunda Guerra Mundial, sob influência interna do Estado Novo.

O pesquisador consultou documentos como programas de disciplinas, textos de congressos científicos e acervos de editoras para realizar seu estudo. Muitos arquivos foram obtidos, inclusive, em instituições estrangeiras, como a Library of Congress, dos Estados Unidos. Com os trabalhos de pós-doutorado, o pesquisador estabeleceu linhas gerais para se estudar a iniciativa que, ao que tudo indica, era desconhecida pela bibliografia especializada. Thiago também reforçou que a pesquisa ainda está em curso. “O assunto não está acabado. Temos muita coisa pra descobrir, por exemplo, sobre como foi a atividade desses intelectuais nas universidades e nos países onde se estabeleceram”, disse ele.


Novos projetos no IEB

A pesquisa de Thiago Nicodemo se insere num projeto, em estruturação no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), para se entender como o Brasil é representado no mundo. Iniciativas estratégicas nesse sentido, como o mapeamento de centros de estudos brasileiros no exterior, marcam uma nova fase do Instituto, que nos últimos anos tem buscado recolocar sua posição institucional e acadêmica.

O professor Paulo Iumatti, vice-diretor do IEB, aponta a retomada da Revista do IEB, os projetos da pós-graduação e a realização de eventos e debates como “elementos que contribuem para a missão do Instituto de promover a interdisciplinaridade ”. Outras iniciativas, como o projeto Como Pensar o Brasil Hoje, que foi matéria da AUN neste ano, fazem parte da proposta transversal e aglutinadora de ideias sobre o Brasil contemporâneo também promovida pelo Instituto.


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