ISSN 2359-5191

08/07/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 66 - Educação - Faculdade de Educação
Novo fundo busca diminuir desigualdade entre escolas brasileiras
Pesquisa propõe alternativas de aplicação do CAQ, fundo que faz parte do PNE e substituirá o Fundeb no financiamento da educação pública
Na imagem, professora leciona em condições precárias numa escola rural de Branquinha (AL). Foto: Rede Brasil Atual

O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi criado em 2007, buscando atender a todas as instâncias da educação básica, da creche à educação de jovens e adultos (EJA). Além de aumentar o repasse dos governos à educação, o objetivo do fundo também é tornar mais igualitária a distribuição de recursos às diversas escolas do país. Contudo, na prática, as desigualdades regionais no ensino básico não foram completamente solucionadas pelo programa, como mostra o pesquisador Luiz Araújo em sua tese Limites e possibilidades da redução das desigualdades territoriais por meio do financiamento da educação básica.

Como funciona o Fundeb

A Constituição de 1988 estabelece que 25% dos recursos municipais e estaduais oriundos de impostos devem ser gastos com educação. Desse montante, 20% devem ir para a conta do Fundeb, que possui 27 fundos, um por estado. O valor de cada um deles deve comportar o custo mínimo por aluno. Caso contrário, o restante é complementado pela União, o que ocorre hoje com dez estados, todos do Norte e do Nordeste. Esse valor é calculado justamente com base na arrecadação tributária do ano em questão, e usado como base para definir o salário da equipe pedagógica, variando de acordo com a fase escolar. Em 2015, por exemplo, a previsão de custo mínimo por aluno para o Ensino Fundamental foi de R$ 2.576, de acordo com a portaria 17/2004.
 

Criado em 2007, Fundeb não foi suficiente para reduzir desigualdades regionais na educação pública. Foto: MEC


Por fim, dentro de cada estado, os recursos do Fundeb são redistribuídos aos municípios e ao próprio governo estadual, de acordo com o número de alunos matriculados. Essa estrutura funcionaria diminuindo a desigualdade entre as regiões, uma vez que o gasto por aluno seria igual em todos os lugares, e municípios com mais estudantes receberiam recursos proporcionais a essa quantidade. Mas embora o fundo faça com que os valores sejam distribuídos igualmente entre municípios de um mesmo estado (com dinheiro migrando de cidades mais ricas para as mais pobres), o mesmo não se aplica às desigualdades entre estados, uma vez que cada estado dispõe de um montante próprio no Fundeb. Assim, escolas de regiões mais desenvolvidas acabam tendo mais recursos, já que os 20% disponíveis no fundo de São Paulo, o estado que mais paga impostos no país, é maior que o valor angariado pelo Amazonas.

Além disso, dentre os 25% da arrecadação de impostos destinados obrigatoriamente à educação, sobram 5% que não foram resgatados pelo Fundeb, um valor que, em regiões desenvolvidas, é muito maior, pois tais regiões têm mais dinheiro recolhido via impostos. Segundo dados de 2012 da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), o valor gasto no Ensino Fundamental no Sudeste era quatro vezes maior que o empregado no Nordeste, e mais que o dobro da média nacional. Já pesquisa do IPEA em 2009 mostrou que, enquanto a população do Sudeste estudava em média 8,2 anos, o período de escolarização médio dos nordestinos era de apenas 6,3.

CAQ: alternativa às desigualdades

Diante disso, como melhorar tal quadro? Um novo modelo para distribuição de recursos está em vias de implantação, baseado no CAQ (Custo Aluno-Qualidade), índice desenvolvido por pesquisadores e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em 2002. Tal marcador é parte integrante do PNE (Plano Nacional de Educação), e estabelece um padrão mínimo para que o aluno estude com qualidade, incluindo fatores como boa remuneração dos professores, quantidade de estudantes por turma e infraestrutura escolar. A partir disso, a União avaliaria a situação financeira de estados e municípios e complementaria o valor necessário para atingir o CAQ.

A ideia é que o CAQ seja implantado até 2024. Contudo, enquanto isso não acontece, o PNE propõe a implantação do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), um padrão mínimo de qualidade, que entraria em vigor a partir de 2016, de forma temporária. A diferença entre eles é que o CAQ não seria um padrão mínimo, mas sim, atingiria o investimento ideal, relativo ao nível europeu de educação.

É importante ressaltar que o CAQ e o CAQi são diferentes do custo mínimo por aluno do Fundeb, uma vez que, para se chegar a eles, não se leva em conta quanto dinheiro está disponível (como ocorre no caso do Fundeb), mas sim, quanto seria necessário num cenário ideal. Assim, o CAQ inverte a lógica do financiamento da educação no Brasil. “Primeiro vejo a qualidade que quero, e depois vou atrás do dinheiro”, explica Araújo. Por isso, o novo índice custaria muito mais à União: em 2011, o Tesouro precisou complementar cerca de R$ 9 bilhões no Fundeb. Mesmo se o padrão adotado fosse o CAQi (mais barato que o CAQ), a complementação saltaria para R$ 63,4 bilhões (o equivalente a 1,3% do PIB daquele ano), segundo dados apresentados na pesquisa de Araújo. Com o CAQ, todos os estados necessitariam de complementação da União, até os mais ricos, como São Paulo e Rio Grande do Sul.

Além do chamado CAQi Pleno, no qual a União complementaria todo o valor necessário para atingir o padrão ideal por aluno, Araújo também apresenta mais três tipos possíveis de distribuição de recursos: o CAQi 1% do PIB (no qual a União destinaria 1% do PIB para a complementação, o equivalente a cerca de R$ 50 bilhões), o Fundo Único CAQi Pleno (com os 20% de impostos constituindo um fundo único, que seria proporcionalmente distribuído entre todos os estados, independentemente de sua arrecadação), e o Fundo Único CAQi 1% do PIB (uma combinação dos dois últimos, que teria um fundo único e complemento de 1% do PIB por parte da União). Tais formatos seriam possíveis tanto para o CAQi, quanto para o CAQ.

Mais recursos vindos da União

Entretanto, em todos esses modelos, o que está em pauta é uma maior participação do governo federal no financiamento da educação básica. “Quem sustenta o financiamento educacional no Brasil são estados e municípios, e o principal tributo financiador da educação é o ICMS”, diz o pesquisador. “A questão é se a União vai ter um papel mais ativo do que tem hoje, principalmente na educação básica, onde estão as maiores precariedades.” Ele afirma que a União teria mais possibilidade do que estados e municípios para aumentar a verba destinada à educação, mas isso implicaria em rever prioridades. “Hoje quase 25% do orçamento vai pra pagar dívida, mas o investimento educacional não chega nem a 4% dos gastos”, diz.
 

Implantação do CAQi e do CAQ demandará mais investimento do governo federal. Foto: perfecta.art.br


Embora o Conselho Nacional da Educação (CNE), em sua Resolução nº 8/2010, tenha recomendado, ainda em 2010, o uso do CAQi como índice-base para os recursos da educação, foi apenas em 2014 que o projeto obteve aprovação no Congresso e sanção da presidente Dilma Rousseff como parte do texto do Plano Nacional de Educação, fazendo parte da Lei nº 13.005. Ainda assim, a Resolução n° 8/2010 ainda não foi homologada pelo Ministério da Educação. A legislação prevê que o prazo para implementação do CAQi seja junho de 2016, mas para que isso ocorra, a regulamentação deveria ser feita ainda no primeiro semestre desse ano, de modo que já entrasse no orçamento para 2016. Tal processo ainda não ocorreu porque, diante do contexto de crise econômica, o governo resiste em acrescentar novas despesas a seu balanço e tem cortado gastos até mesmo em educação. “Você está todo dia falando que não tem dinheiro, e aí vem alguém falando para aumentar despesas”, brinca Araújo. “Acho que o pior cenário que pode acontecer é o governo postergar o cumprimento da Lei. Mas em algum momento ele vai ter de regulamentar”.

Por fim, Araújo também ressalta que a implementação do CAQi deve trazer consigo uma discussão sobre o atual modelo do Fundeb que, a princípio, estaria prevista apenas para 2020. “Não tem como implantar o CAQi sem antecipar esse debate”, avalia. Num país onde 65% das escolas não têm sequer biblioteca (segundo dados do Censo Escolar 2013), o pesquisador aponta a urgência de reformas. “Hoje, o Brasil tem escolas escabrosas, totalmente fora de qualquer padrão aceitável”, diz. “E a forma de melhorar isso é mudando o Fundeb e implementando outra forma de distribuição de recursos”.

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