ISSN 2359-5191

02/10/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 91 - Sociedade - Instituto de Estudos Brasileiros
Trabalhadoras informais têm acesso comprometido à cidade
Pesquisa relaciona gênero e trabalho informal em São Paulo, Durban e Mumbai
Associação de Costureiras da favela de Dharavi, na India. Foto: Luciana Itikawa

Mesmo desempenhando as mesmas funções, o salário médio das mulheres nas empresas brasileiras ainda é 40,5% menor do que o dos homens, segundo dados do IBGE de 2013. Seja no trabalho formal ou informal, a segregação das mulheres é uma realidade que tem consequências no planejamento urbano e no acesso dessas trabalhadoras à cidade. Essa é a proposta de pesquisa da arquiteta Luciana Itikawa, que faz seu pós-doutorado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. É a partir da relação entre os eixos cidade, trabalho informal e gênero que Luciana estuda o planejamento urbano em São Paulo, em Durban (África do Sul) e Mumbai (Índia).


Em São Paulo

Segundo a pesquisadora, o consenso de “responsabilidade exclusiva” das mulheres em desempenhar certas funções dificulta o acesso dessas trabalhadoras à cidade. Isso pode ser observado a partir de três fatores: a gestão do tempo, seus deslocamentos pelo espaço e a relação entre os equipamentos urbanos e moradia. O trabalho reprodutivo, ou seja, o trabalho doméstico realizado na esfera familiar, ainda é executado majoritariamente por mulheres, que precisam se dividir entre o trabalho produtivo (profissional) e o cuidado da casa. “O primeiro efeito importante é a forma como elas administram o tempo. Elas acabam diminuindo o tempo que seria do trabalho produtivo para estarem nesse papel da responsabilidade exclusiva do trabalho reprodutivo”, explica Luciana.

É por esse motivo que os deslocamentos e roteiros percorridos pelas mulheres na cidade diferem-se do roteiro masculino. Ao assumir a responsabilidade por algumas funções, como a de levar os filhos à creche ou comprar remédios na farmácia, o tempo de lazer e de trabalho fica comprometido. A remuneração também é afetada, principalmente para as trabalhadoras informais, que ganham por produção. “Para as mulheres, é compulsória a obrigação de estar em casa em determinado horário para buscar a filha na escola, por exemplo”, completa Luciana. “Para elas não é uma atividade facultativa. Para os homem é”. Nesse sentido, é importante a relação entre o trabalho produtivo e os equipamentos públicos, quando se trata de informalidade. Quanto mais longe desses equipamentos (creches, hospitais, trabalho...) as mulheres estão, mais tempo elas demoram em seus deslocamentos, subtraindo o tempo de trabalho.

Para a pesquisa, questionários qualitativos e com respostas abertas e fechadas estão sendo aplicados a trabalhadoras informais em quatro periferias (norte, sul, leste e oeste), além da região central da cidade.


Mumbai e Durban

Segundo a pesquisadora, a relação de subordinação das mulheres nessas três metrópoles é reflexo das políticas excludentes que pontuaram seus regimes coloniais. As consequências dos marcos regulatórios de acesso à terra produziram um processo de exclusão em que uma parcela da população, seja por não ter dinheiro, pela cor de sua pele ou por sua casta (no caso da Índia) acabaram se deslocando às partes periféricas da cidade. “É como se esse regime tivesse como herança essa exclusão territorial muito forte que acaba imprimindo no mercado de trabalho essas questões de gênero”, explica Luciana.

Na Índia, a segregação no mercado de trabalho é ainda mais aguda, porque, além das questões de gênero, há também a questão das castas, da etnia e da religião. Já na África do Sul, as estruturas do apartheid, vigente até 1994, juntamente com as consequências da crise mundial de 2012, deixaram rastros: os mais afetados pela crise, pelo desemprego e pela pobreza são os negros e as mulheres. Em 2009, 60%  dos trabalhadores na venda informal urbana eram mulheres, segundo a Pesquisa Quadrimestral da Força de Trabalho (2009). 


Estratégias de Resistência

Além de analisar a situação das mulheres em situação informal, a pesquisa ainda dialoga com as principais estratégias de resistência capitaneadas por trabalhadoras nessas metrópoles, e qual o papel das políticas públicas em acolhê-las. Luciana dá como exemplo o programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal, que não tem um espaço de geração de renda no térreo para os moradores: “É vetado o espaço porque isso é considerado uma exploração comercial da habitação. É preciso esse tipo de pressão no poder público de mudar as políticas de habitação, isso ajudaria muito na vida das mulheres”.

Além disso, a pesquisadora observou alguns movimentos de resistência de trabalhadoras nessas metrópoles. Na Índia, por exemplo, há 40 anos atua uma rede nacional de trabalhadoras informais: a SEWA (Self Employed Women´s Association), formada por mulheres que reivindicam melhores condições de trabalho e moradia.
 

Associação de Costureiras em Nova Delhi, projeto da SEWA. Foto: Luciana Itikawa

Associação de Costureiras em Nova Delhi, projeto da SEWA. Foto: Luciana Itikawa 
 

Já em Durban, há o Sindicato das Mulheres Trabalhadoras Por Conta-própria (Self Employed Women Union - SEWU), um sindicato exclusivo de mulheres em trabalho informal.  Em 2009, o sindicato teve um papel importante para compor um movimento de resistência, junto a ONG Asiye Tafuleni, contra a expulsão de milhares de trabalhadoras na região de Warwick Junction, onde seria construído um shopping. Elas conseguiram fazer com que os trabalhadores permanecessem na região até 2010, quando ele foi construído.

Por fim, em São Paulo há o Fórum dos Ambulantes, que em 2012 teve participação ativa na elaboração do Plano Diretor de São Paulo, e em 2014 reivindicou a participação na Copa. “São conquistas parciais de direitos, mas sem essa frente de resistência das mulheres, a política pública não acontece, são conquistas muito importantes”, conclui Luciana.

A pesquisa ainda está em andamento, e quando concluída, tem a intenção de contribuir no debate de gênero e dialogar com outras pesquisas que são desenvolvidas principalmente no campo do trabalho informalizado.

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