ISSN 2359-5191

10/12/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 127 - Educação - Faculdade de Educação
Possibilidades para enfrentamento de práticas racistas na escola
Projetos premiados pelo 4º Prêmio Educar para a Igualdade Racial mostram bons exemplos de combate ao racismo em sala de aula
O professore deve intervir e utilizar as manifestações de racismo como oportunidade para desconstrução de esteriótipos e preconceitos. Imagem: revista Nova Escola

Por que realizar práticas pedagógicas de superação do racismo? Essa foi a pergunta que moveu Maria da Glória Calado a realizar sua tese de doutorado. Partindo do fato de que professores são agentes fundamentais no processo de enfrentamento do racismo, mas também são indivíduos formados em uma sociedade marcada pela discriminação, o trabalho investigou práticas pedagógicas premiadas no 4º Prêmio Educar para a Igualdade Racial para analisar quais possibilidades de enfrentamento do racismo na escola elas poderiam indicar.

O Prêmio Educar para a Igualdade Social tem como objetivo mapear, analisar, sistematizar e divulgar as práticas educacionais que visam combater o preconceito racial. Ele proporciona aos profissionais de educação um espaço fundamental de compartilhamento de experiências através de exposição de trabalhos, metodologias e resultados das práticas escolares desenvolvidas para um público amplo de educadores e especialistas da área. O Prêmio é umas das ações do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), uma organização não governamental que trabalha no campo das relações raciais e de gênero implementando programas de promoção da igualdade étnica e racial.

“A escola tem contribuído para ratificar o racismo. Por exemplo, por meio de estereótipos que visam inferiorizar o negro o que, por sua vez, pode contribuir para que esse aluno se afaste da escola, pela negação do racismo e, consequentemente, pelo não enfrentamento dos casos de racismo no ambiente escolar”, conta a pesquisadora. “O que pode fazer com que, por um lado, o aluno negro interiorize o preconceito podendo desenvolver uma imagem distorcida de si mesmo e de seu grupo e, por outro, pode fortalecer a ideia de que ser branco é algo superior”, acrescenta ela. Para entender as práticas pedagógicas que trabalham na contramão disso, Maria da Gloria entrevistou professoras ganhadoras do 4º Prêmio “Educar para a Igualdade Racial”, duas negras e duas brancas. Além dessas entrevistas, foram realizadas outras duas com a coordenadora do Ceert e com o responsável pela 4ª edição do Prêmio.

Duas práticas chamaram a atenção da pesquisadora. A primeira, “Projeto África”, foi elaborada por um grupo de professoras. Seu tema era a valorização da contribuição dos diversos povos na formação cultural brasileira. O projeto trabalhou com diversas linguagens, por meio de brincadeiras, pesquisas sobre a África, contação de histórias, lendas, culinária e exibição de vídeo.  Além disso, surgiu a ideia da construção de bonecos negros. Ponto bastante interessante, principalmente quando tem-se em consideração o fato de que no Brasil quase não são fabricados bonecas e bonecos negros com os quais crianças negras possam se identificar. Foi feito um boneco, que recebeu um nome africano escolhido pela turma, que representava um aluno novo da classe. O boneco foi levado pelas crianças para as suas casas, e as famílias deveriam registrar todas as vivências em um caderno. Maria da Glória se mostrou bastante interessada na proposta. “Essa estratégia me chamou a atenção pelo fato de possibilitar a discussão sobre o racismo e a discriminação para além do ambiente escolar perpassando também o ambiente familiar”.

Em outro caso, a professora conseguiu problematizar o racismo a partir de uma situação aparentemente corriqueira: pintar uma figura humana. Ela fez com que as crianças colocassem em questão o conhecimento que tinham sobre “a cor da pele” da figura humana. Um fato que poderia passar despercebido foi tomado como uma situação potencial para trabalhar a ideia de que há um padrão humano, isto é, um modelo de humano pré-concebido até mesmo pelas crianças. Leia parte do relato da professora:

"Pedi para uma criança deitar na cartolina e fiz o contorno do corpinho dela (...) [Os alunos] colocaram os olhos, cabelo, tudo. Aí, na hora de pintar a pele, fiz a tinta marrom.
-Mas professora o que é isso? Que cor feia é essa que a senhora fez?
-Mas é a cor de todos vocês, olha aqui.
-Não professora! Para ficar bonito, a senhora tem que escolher a cor de pele.
-Então, vai lá no armário e pega a cor de pele, porque eu não sei o que é cor de pele.
Então, eles foram no armário e pegaram um rosinha claro, salmão e me trouxeram.
-Tá, vocês falaram que isso é cor de pele. Isso, para mim, é rosa. Põe na sua pele para ver se é a cor da sua pele. Acha alguém na sala que tem essa cor.
Aí eles não acharam…"

(Falta de) Formação

As entrevistadas tiveram sua formação profissional num momento anterior à promulgação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas. Sendo assim relataram que não tiveram disciplinas que tratavam do tema racial durante sua graduação. Contudo, sentiram necessidade de buscar informações sobre o assunto e encontraram oportunidade de participarem de formações continuadas.

“A escola possui um papel fundamental no processo de transmissão do conhecimento, bem como na construção e reconstrução de valores sociais. Sendo assim é necessário posicionar-se em oposição a um currículo que privilegia os conhecimentos e os saberes de uma única matriz cultural, a eurocêntrica”, conta Maria da Glória. A Lei 12.288/10, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, reafirma a necessidade das instituições de ensino incluírem no processo de formação dos professores os conteúdos sobre a história da população negra no Brasil e eles devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando as contribuições dessa cultura para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do país. Porém, o silêncio em relação à questão ainda persiste no ambiente escolar.

"Apesar da Lei 10.639/03 ter sido aprovada no ano de 2003, passada mais de uma década, as maiores instituições de ensino do pais, como por exemplo a  Faculdade de Educação da USP, ainda não introduziram em seu currículo disciplinas obrigatórias que atendam ao estabelecido na legislação”, lamenta a pesquisadora. “Contudo, há alguns professores que se sensibilizaram com o problema do racismo e acolhem pessoas interessadas em trabalharem com o assunto. É fundamental a oferta de disciplinas obrigatórias específicas nos cursos de pedagogia e nas licenciaturas sobre essas questões, tanto do ponto de vista conceitual quanto metodológico e, finalmente, de se criarem linhas de pesquisa direcionadas à temática”, conclui.

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