ISSN 2359-5191

01/03/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 23 - Sociedade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Pesquisa discute relação do carnaval carioca com espaço urbano
Desde sua origem, festa é caracterizada pela disputa espacial e pelas tensões entre diferentes atores
Carnaval do Rio de Janeiro Fonte: BBC Brasil

O trabalho "Um Carnaval e as Outras Cidades", resultado do processo de pesquisa da designer Marilia Ferrari, formada em 2015 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, traça um panorama histórico da festa e analisa suas configurações atuais, com foco nas celebrações que ocorrem tradicionalmente na capital carioca.

Na pesquisa, Marilia investiga as disputas do espaço urbano geradas pelo carnaval e as relações que se estabelecem entre a festa e o poder público. "São muitas manifestações diferentes de carnaval desde que ele começou, e as mudanças espaciais da cidade também influenciam no jeito como a festa acontece", diz.

A autora evoca a obra de Felipe Ferreira, coordenador do Centro de Referência do Carnaval na UERJ, para esclarecer que a história do carnaval está intimamente atrelada às tensões entre pessoas, ideias, classes, interesses. "A base da festa é significar o espaço onde ela é organizada, e o carnaval sempre foi calcado nas tensões entre diferentes atores e na disputa espacial”, explica.

O entrudo é uma das primeiras manifestações carnavalescas que servem de exemplo para entender a questão espacial como peça chave para sua realização. O evento, originado no século 16, ocorria em ruas estreitas da cidade, onde pessoas jogavam líquidos e objetos umas nas outras, sem música ou figurinos. O acontecimento era repudiado pelas elites e foi proibido em São Paulo e no Rio de Janeiro. No caso da capital carioca, onde continuou acontecendo, o evento foi comprometido pelas reformas do prefeito Pereira Passos, que envolviam a ampliação das vias do centro da cidade. "A abertura das avenidas muda o tipo de manifestação aparecem os grandes carros, um carnaval mais elitizado", descreve Marilia.

A escola de samba e o sambódromo também são originados da delimitação espacial como ferramenta do poder público para apaziguar as tensões do carnaval. As festas, que aconteciam nas ruas, começaram a sofrer modificações espaciais e, por consequência, na maneira como eram conduzidas. Toda a estrutura da celebração muda: o carnaval passa a ser televisionado, é transformado em espetáculo.

Depois da retomada histórica sobre o carnaval no Rio, a autora discute as tensões da festa, da disputa espacial e das relações entre população e poder público nos dias de hoje. Em um mapeamento dos blocos de carnaval cadastrados pela Prefeitura em 2015, Marilia observa que a maioria deles tem trajeto e tempo de percurso em comum. Para ela, isso pode ser entendido como uma maneira de controle do poder público sobre o espaço e o tempo destinado à festa, o que representa uma tentativa de normatização do evento, reforçado pela iniciativa privada.

Como contraponto, a pesquisadora escolheu três blocos cariocas que se diferem da maioria das organizações cadastradas, para pensar em sua organização espacial e na sua função como resistência à política de controle e mercantilização do carnaval de rua.

A "disputa pelo espaço simbólico e político entre os diversos atores que compõem a festa” pode ser vista na realização dos cortejos dos blocos analisados. Alguns cumprem trajetos em regiões de  grande vulnerabilidade na cidade, como áreas de despejo em função de obras públicas. Há um bloco que se caracteriza por não divulgar seu nome ou trajeto antes do evento, o que pode ser entendido como uma das formas de resistência frente à espetacularização e normatização da festa.

Para finalizar a investigação acerca do carnaval e seus espaços, a autora propõe uma reflexão sobre cortejos e fanfarras que acontecem durante todo o ano com o mote do carnaval. Para ela, a produção de eventos carnavalescos fora de época deve ser olhada com cuidado, por ter o potencial de enfraquecer a festa, ao tratá-la apenas como modelo de celebração. Por tratar de questões como a inversão de ordem no cotidiano, que tem a capacidade de gerar transformações na sociedade, a utilização da estética do carnaval em detrimento de seu potencial de ruptura pode comprometer o significado da festa, especialmente em uma conjuntura de mercantilização do evento.

Segundo Marilia, o carnaval deve ser levado para os outros dias do ano não apenas como modelo de celebração, mas considerando seu potencial transgressor, como esclarece no trabalho: “A festa explicita tensões, faz gritar a existência do outro, aponta a ilusão da realidade, inverte e reinventa lógicas sociais, desacelera e ritualiza o tempo cotidiano, corporifica e conscientiza a prática da cidade.”

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