ISSN 2359-5191

09/08/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 99 - Sociedade - Escola Politécnica
Estudo da Poli mostra que mulheres se locomovem mais em função da família do que os homens
Foi criado um banco de dados que reúne informações do Metrô de São Paulo de quatro décadas da pesquisa Origem e Destino
Foto: Giovanna Wolf Tadini

A pesquisa de mestrado de Haydée Svab na Escola Politécnica mostrou que existem diferenças entre os padrões de mobilidade feminino e masculino. É mais provável que uma mulher com situação familiar de cônjuge faça menos viagens que o homem, seja ele na posição de “responsável pela família” seja na mesma situação familiar (cônjuge). De forma geral, quando o arranjo familiar é mulher cônjuge e homem chefe de família, a prioridade de uso do primeiro carro da família é do homem. As variáveis que mais impactam o número de viagens da mulher responsável são grau de instrução e a presença de crianças de 5 a 9 anos, enquanto as que mais impactam o homem responsável são apenas a faixa de renda e o grau de instrução. Percebeu-se também que a presença de crianças de 0 a 4 anos reduz o número de viagens dos adolescentes da família (irmãos mais velhos que ficariam em casa cuidando da criança) mas essa redução de viagem é maior quando o adolescente é do sexo feminino. Outras constatações também chamam a atenção: é mais frequente para mulheres (em comparação com homens) as viagens destinadas para o abastecimento do lar, como compras e manutenção, ou para “servir passageiro”, como levar um filho para a escola. E, além disso, as mulheres deslocam-se mais a pé do que os homens.

Para obter essas informações, a pesquisadora utilizou dados da pesquisa “Origem e Destino” do metrô nos anos de 1977, 1987, 1997 e 2007, na Região Metropolitana de São Paulo, em que observou como a questão de gênero se entrelaça com a mobilidade urbana. Os dados, que mostram características das viagens e dos viajantes — como, por exemplo, qual é o motivo da viagem, a distância, qual é o sexo e a condição socioeconômica do viajante — foram utilizados pela pesquisadora para criar um banco de dados unificado e otimizado, desses quatro anos em questão. A partir disso, ela verificou, por meio de análises estatísticas, quais características teriam mais relevância na pesquisa, depois traçou perfis femininos e masculinos até que chegou a resultados que reforçaram, por meio de números, gráficos e equações, a ideia de que o papel social que a mulher exerce é diferente do papel do homem — e isso se desdobra nos respectivos deslocamentos.

Os caminhos da pesquisa

Haydée teve um grande trabalho inicial para a obtenção e organização dos dados. Conseguiu as pesquisas “Origem e Destino” pela Lei de Acesso à Informação e depois passou quase metade do mestrado limpando e juntando os bancos de dados, para criar um unificado, consistente e com todas as categorias compatíveis ao longo dos quatro anos. Esse banco já está disponibilizado na Internet, devido ao fato de ela acreditar que é um compromisso devolvê-lo à sociedade, para que mais pesquisas na área de mobilidade sejam feitas.

Em um segundo momento fez análises de cluster, que tem como objetivo formar grupos de maneira que as características deles sejam mais parecidas possíveis dentro e mais diferentes possíveis entre eles. Assim, em sua primeira análise formaram-se quatro grupos ligados ao tempo (um de cada ano) e, em seguida, selecionou as variáveis mais importantes para a sua análise. “Se você tem 90 e tantas variáveis, por que resolveu colocar variável de grau de instrução e não qualquer outra? Eu preciso ter uma boa explicação para minha banca e para o mundo ao dizer que uma variável é mais importante que outra”, explica a pesquisadora.  

Embora a característica “sexo” não tenha aparecido como uma das variáveis mais relevantes, Haydée não enxerga isso como um problema. Isso porque a variável sexo sozinha não reflete o significado de gênero, ou seja, este conceito está além do sexo e envolve o papel social desempenhado. “O gênero inclui o sexo, ele não é o sexo identitariamente. Grau de instrução é diferente entre os sexos, renda também. O segundo automóvel é importante de forma diferente entre os sexos”, ressalta. Então, ela articulou grupos em que os perfis relacionavam sexo e situação familiar (mulher cônjuge, mulher responsável, homem cônjuge, homem responsável, entre outros) com as variáveis relevantes apontadas pela análise de cluster e, assim, obteve resultados interessantes. Com equações mais complexas, ela chegou a notar que sendo o “y” o número de viagens de uma função do tipo “y = a.x1 + b.x2 + ... + c”, a mulher cônjuge é a única que possui o “c”, o intercepto do gráfico, com valor negativo, ou seja, já existe uma penalização no resultado final. “A ideia de mulher cônjuge é uma coisa que a gente tem na mente, mas os números vão começando a compor isso”, diz.

A pesquisadora e o tema

Fundadora do PoliGen (Grupo de Estudos de Gênero da Poli-USP), Haydée tem a questão das mulheres como tema constante em sua vida. Como mulher e engenheira, convive com situações como a existência da superstição na engenharia civil que mulher em obra de túnel dá azar e, segundo ela, é muito difícil uma mulher ser contratada para trabalhar em obras de túnel, assim como em obras em geral, explica. No início do trabalho, foi uma questão levantada se seria adequado fazer um trabalho de um assunto pelo qual a pesquisadora milita e se ela teria objetividade. Além disso, ela conta que ficou insegura: “É um tema difícil de ser tratado dentro da Poli, é tido às vezes como “de humanas”, então tentei fazê-lo muito robusto do ponto de vista do método e acho que consegui.” Outro problema enfrentado foi que quase não existe bibliografia sobre gênero e mobilidade no Brasil. “É inovador, mas mestrado não precisa ser inovador e, se ninguém pesquisou, eu me perguntava: será que é importante?”, diz. Ao longo do trabalho, a pesquisadora afirma que convenceu-se de que sim, era e é importante.


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