psicologia

 

 
por
Júlia Tavares

TRANSTORNO BIPOLAR DO HUMOR FAZ ESTADO PSÍQUICO SOFRER ALTERAÇÕES ABRUPTAS, MAS TRATAMENTO PODE RECUPERAR VIDA NORMAL DO PACIENTE

P
essoas com sintomas de depressão profunda, interrompida repentinamente por uma grande euforia, costumam enfrentar sérios problemas na vida social e familiar. Essas oscilações bruscas entre os dois extremos podem levar ao diagnóstico médico de transtorno bipolar do humor, que, segundo especialistas, é uma doença genética influenciada por situações de estresse e possui tratamento capaz de resgatar um comportamento normal do paciente.

A origem da doença é imprecisa, porém registros da Antiguidade sugerem que seus sintomas já eram conhecidos e estudados. Assim acredita o professor da Faculdade de Educação Jean Lauand, especialista em pensamento medieval, que encontrou referências aos fundamentos existenciais do transtorno bipolar em textos de Santo Tomás de Aquino (1227-1274). “A ênfase dos sintomas na época era principalmente moral e não patológica, como é hoje”, diz Lauand, que explica que a situação do transtorno era encarada como uma naturalidade do ser humano, obrigado a viver numa “tensão insuportável entre o nada e a beleza do ser”.

“Para Santo Tomás, a mesma realidade leva por um lado a uma profunda depressão e também para uma profunda euforia”, explica, lembrando que a cultura contemporânea também remete ao transtorno. “Isso aparece nos versos da música Garota de Ipanema: ‘Olha que coisa mais linda/ mais cheia de graça/ o mundo inteirinho se enche de graça/ num doce balanço a caminho do mar” e, de repente, sem aviso prévio: ‘Oh, por que tudo é tão triste?’”.

Alguns séculos depois de Tomás de Aquino, a medicina identifica a fase de euforia (mania) através de aceleração extrema e inquietude, estimulando o impulso para compras e a hipersexualidade, entre outras reações. “Há casos mais graves de pacientes que rompem o contato com a sociedade e precisam de internação”, ressalta Carlos Rodrigues, do Grupo de Doenças Afetivas (Gruda) do Hospital das Clínicas. Já a depressão costuma ser desencadeada por razões consideradas desproporcionais, como pela perda de uma carteira. Outros sintomas gerais são a ausência de sono ou uso de álcool e drogas para dormir e costume de automedicação. “Também podemos citar a distorção da personalidade e da imagem corporal”, lembra Rodrigues, citando pacientes magros que se acham gordos e chegam a desenvolver anorexia (perda ou redução de apetite) ou bulimia (provocação de vômito).

Para Ricardo Soares, psiquiatra do Hospital Universitário, os primeiros sinais da doença começam a surgir na adolescência ou até os 30 anos, depois de momentos de enorme desgaste psicológico, como um problema estressor no trabalho, a morte de alguém próximo ou a crise pós-parto, no caso das mulheres, quando “há um estímulo emocional muito grande pela mudança do foco de atenção e queda brusca dos níveis hormonais”, diz o médico. foto crédito:Cecília Bastos

Ricardo Soares

Segundo Rodrigues, estudos americanos mostram que a ocorrência da doença é de 3% da população dos EUA. Mas dificilmente essas pessoas são diagnosticadas e tratadas corretamente. No Brasil, estima-se que apenas 15% dos bipolares façam acompanhamento psiquiátrico, contra 35% nos EUA. Um dos motivos que explicam a dificuldade dos médicos é a diversidade dos tipos de transtorno bipolar, que varia do tipo 1 e 2, com fases de euforia e depressão bem definidos, e tipo 3 e 4, com ausência de extremos mas sim oscilações sutis entre os dois pólos. “Os tipos 3 e 4 costumam se envolver em investimentos tolos, comprar muita coisa e assumir muitos compromissos até um ponto que a atenção dispersa e ele não termina nenhum deles. Alguns têm combinação de aumento de energia, pensamento acelerado e conteúdo de pensamento depresssivo. Há muita irritabilidade e agressividade”, diz Soares, que alerta para a importância da medicação criteriosa sempre. “No caso dos tipos 3 e 4, que são aparentemente apenas depressivos, a mania é induzida depois de tomarem antidepressivos”.

A funcionária do Instituto de Ciências Biomédicas Eliana Ferreira pode ter corrido esse risco. Há seis anos, quando começou a desenvolver a depressão, a sempre dedicada funcionária decidiu se automedicar. “Eu tomava remédios que as pessoas me indicavam, mas eles camuflavam o problema por algum tempo. Quando parava, os sintomas surgiam muito fortes, voltavam pior ainda”, diz ela, que sofria estresse no trabalho, chorava à toa e tinha pensamentos negativos com pessoas mortas. “Tomar decisões era difícil, não aceitava críticas,
queria ficar para sempre num buraco, onde tudo era agradável”, relembra. Depois de uma crise nervosa, Eliana começou tratamento com psiquiatra, quando foi diagnosticado o quadro de depressão por ansiedade. Hoje, ela diz viver bem tomando os remédios receitados pelo médico que a acompanha no HU. Ela já fez terapia e atualmente pratica esportes como um recurso a mais para ter bem-estar.

O tratamento tradicional do transtorno bipolar é feito com estabilizadores do humor, que precisam ser tomados por toda a vida. Mesmo que a pessoa sinta-se bem novamente, ela não deve interromper os remédios. “Assim como a diabetes ou hipertensão, o transtorno bipolar não tem cura, mas sim um tratamento de manutenção. Manter a doença sob controle permite viver a vida normalmente”, diz Soares.

No entanto, os efeitos colaterais e as reações desencadeadas pelos medicamentos podem variar de organismo para organismo, trazendo até maiores complicações psicológicas para o paciente. Esse foi o principal motivo para que a funcionária da USP Cristina (nome fictício) preferisse não aderir ao tratamento quando foi diagnosticada como bipolar após uma crise nervosa que a levou à internação. “Os efeitos dos remédios eram muito forte. Me sentia prostada, anestesiada”, diz Cristina, que, ao longo dos anos, desenvolveu um cerceamento consigo mesma para adaptar-se à sociedade. “É algo de educação. Aprendi a não extrapolar e acompanhar o ambiente. Quando estou feliz, comemoro sozinha”, desabafa.

Para a psiquiatra Silvia Ribes, também do HU, o desconforto causado pelo uso dos remédios é inevitável, mas, como o uso será crônico (diário e por muitos anos), a pessoa deve procurar aquele que incomode o menos possível. “Existem várias opções de remédio. Com calma e certo tempo é possível achar um que tenha efeitos colaterais menores e suportáveis”, diz. foto crédito:Cecília Bastos

Silvia Ribes

Um tratamento alternativo, como a homeopatia, somente é efetuado quando o médico pode avaliar sintomas próprios e bem definidos diante do sofrimento causado pela doença. “O tratamento homeopático também será útil como coadjuvante aos psicotrópicos químicos e às psicoterapias ou psicanálises”, afirma Hélio Bergo, presidente da Associação Médica Homeopática Brasileira.

Os especialistas concordam que, além do acompanhamento psiquiátrico, terapias de apoio e acompanhamento psicológico são sempre bem-vindos. Mesmo familiares de bipolares podem procurar grupos como a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), da Unifesp, onde são aconselhados sobre como ajudar o familiar durante o tratamento e recebem dicas para lidar com suas próprias fragilidades. A situação dos parentes costuma ser delicada, porque recebem dos médicos a orientação de estarem sempre atentos ao comportamento do bipolar. “São os familiares que precisam observar se o paciente toma os medicamentos e se começa a desenvolver algum traço de mania ou depressão novamente”, lembra Rodrigues.



Serviços


Funcionários, docentes, alunos da USP e seus dependentes têm prioridade para agendamento com clínico geral no Hospital Universitário. A Abrata, da Unifesp, está com vagas abertas para participação gratuita em grupos de auto-ajuda para amigos, familiares e portadores de transtornos afetivos. Já o atendimento no Instituto de Psiquiatria do HC não pode ser agendado. O procedimento normal é procurar o Centro de Saúde de sua região, que deve encaminhar casos mais graves para hospitais maiores.

Hospital Universitário USP
T. (11) 3039-9449

Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata)
Realiza encontros auto-ajuda para amigos, familiares e portadores de transtornos afetivos
T. (11) 3256-4831
T. (11) 3256-1910