TRANSTORNO
BIPOLAR DO HUMOR FAZ ESTADO PSÍQUICO SOFRER ALTERAÇÕES
ABRUPTAS, MAS TRATAMENTO PODE RECUPERAR VIDA NORMAL DO PACIENTE
Pessoas
com sintomas de depressão profunda, interrompida repentinamente
por uma grande euforia, costumam enfrentar sérios problemas
na vida social e familiar. Essas oscilações
bruscas entre os dois extremos podem levar ao diagnóstico
médico de transtorno bipolar do humor, que, segundo
especialistas, é uma doença genética
influenciada por situações de estresse e possui
tratamento capaz de resgatar um comportamento normal do paciente.
A
origem da doença é imprecisa, porém registros
da Antiguidade sugerem que seus sintomas já eram conhecidos
e estudados. Assim acredita o professor da Faculdade de Educação
Jean Lauand, especialista em pensamento medieval, que encontrou
referências aos fundamentos existenciais do transtorno
bipolar em textos de Santo Tomás de Aquino (1227-1274).
A ênfase dos sintomas na época era principalmente
moral e não patológica, como é hoje,
diz Lauand, que explica que a situação do transtorno
era encarada como uma naturalidade do ser humano, obrigado
a viver numa tensão insuportável entre
o nada e a beleza do ser.
Para
Santo Tomás, a mesma realidade leva por um lado
a uma profunda depressão e também para uma
profunda euforia, explica, lembrando que a cultura
contemporânea também remete ao transtorno.
Isso aparece nos versos da música Garota
de Ipanema: Olha que coisa mais linda/ mais cheia
de graça/ o mundo inteirinho se enche de graça/
num doce balanço a caminho do mar e, de repente,
sem aviso prévio: Oh, por que tudo é
tão triste?. |
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Alguns
séculos depois de Tomás de Aquino, a medicina
identifica a fase de euforia (mania) através de aceleração
extrema e inquietude, estimulando o impulso para compras e
a hipersexualidade, entre outras reações. Há
casos mais graves de pacientes que rompem o contato com a
sociedade e precisam de internação, ressalta
Carlos Rodrigues, do Grupo de Doenças Afetivas (Gruda)
do Hospital das Clínicas. Já a depressão
costuma ser desencadeada por razões consideradas desproporcionais,
como pela perda de uma carteira. Outros sintomas gerais são
a ausência de sono ou uso de álcool e drogas
para dormir e costume de automedicação. Também
podemos citar a distorção da personalidade e
da imagem corporal, lembra Rodrigues, citando pacientes
magros que se acham gordos e chegam a desenvolver anorexia
(perda ou redução de apetite) ou bulimia (provocação
de vômito).
Para
Ricardo Soares, psiquiatra do Hospital
Universitário, os primeiros sinais da doença
começam a surgir na adolescência ou até
os 30 anos, depois de momentos de enorme desgaste psicológico,
como um problema estressor no trabalho, a morte de alguém
próximo ou a crise pós-parto, no caso das
mulheres, quando há um estímulo emocional
muito grande pela mudança do foco de atenção
e queda brusca dos níveis hormonais, diz
o médico. |
foto
crédito:Cecília Bastos
Ricardo
Soares |
Segundo
Rodrigues, estudos americanos mostram que a ocorrência
da doença é de 3% da população
dos EUA. Mas dificilmente essas pessoas são diagnosticadas
e tratadas corretamente. No Brasil, estima-se que apenas 15%
dos bipolares façam acompanhamento psiquiátrico,
contra 35% nos EUA. Um dos motivos que explicam a dificuldade
dos médicos é a diversidade dos tipos de transtorno
bipolar, que varia do tipo 1 e 2, com fases de euforia e depressão
bem definidos, e tipo 3 e 4, com ausência de extremos
mas sim oscilações sutis entre os dois pólos.
Os tipos 3 e 4 costumam se envolver em investimentos
tolos, comprar muita coisa e assumir muitos compromissos até
um ponto que a atenção dispersa e ele não
termina nenhum deles. Alguns têm combinação
de aumento de energia, pensamento acelerado e conteúdo
de pensamento depresssivo. Há muita irritabilidade
e agressividade, diz Soares, que alerta para a importância
da medicação criteriosa sempre. No caso
dos tipos 3 e 4, que são aparentemente apenas depressivos,
a mania é induzida depois de tomarem antidepressivos.
A
funcionária do Instituto de Ciências Biomédicas
Eliana Ferreira pode ter corrido esse risco. Há
seis anos, quando começou a desenvolver a depressão,
a sempre dedicada funcionária decidiu se automedicar.
Eu tomava remédios que as pessoas me indicavam,
mas eles camuflavam o problema por algum tempo. Quando
parava, os sintomas surgiam muito fortes, voltavam pior
ainda, diz ela, que sofria estresse no trabalho,
chorava à toa e tinha pensamentos negativos com
pessoas mortas. Tomar decisões era difícil,
não aceitava críticas, |
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queria
ficar para sempre num buraco, onde tudo era agradável,
relembra. Depois de uma crise nervosa, Eliana começou
tratamento com psiquiatra, quando foi diagnosticado o
quadro de depressão por ansiedade. Hoje, ela diz
viver bem tomando os remédios receitados pelo médico
que a acompanha no HU. Ela já fez terapia e atualmente
pratica esportes como um recurso a mais para ter bem-estar. |
O
tratamento tradicional do transtorno bipolar é feito
com estabilizadores do humor, que precisam ser tomados por
toda a vida. Mesmo que a pessoa sinta-se bem novamente, ela
não deve interromper os remédios. Assim
como a diabetes ou hipertensão, o transtorno bipolar
não tem cura, mas sim um tratamento de manutenção.
Manter a doença sob controle permite viver a vida normalmente,
diz Soares.
No
entanto, os efeitos colaterais e as reações
desencadeadas pelos medicamentos podem variar de organismo
para organismo, trazendo até maiores complicações
psicológicas para o paciente. Esse foi o principal
motivo para que a funcionária da USP Cristina (nome
fictício) preferisse não aderir ao tratamento
quando foi diagnosticada como bipolar após uma crise
nervosa que a levou à internação. Os
efeitos dos remédios eram muito forte. Me sentia prostada,
anestesiada, diz Cristina, que, ao longo dos anos, desenvolveu
um cerceamento consigo mesma para adaptar-se à sociedade.
É algo de educação. Aprendi a não
extrapolar e acompanhar o ambiente. Quando estou feliz, comemoro
sozinha, desabafa.
Para
a psiquiatra Silvia Ribes, também do HU, o desconforto
causado pelo uso dos remédios é inevitável,
mas, como o uso será crônico (diário
e por muitos anos), a pessoa deve procurar aquele que
incomode o menos possível. Existem várias
opções de remédio. Com calma e certo
tempo é possível achar um que tenha efeitos
colaterais menores e suportáveis, diz. |
foto
crédito:Cecília Bastos
Silvia
Ribes |
Um
tratamento alternativo, como a homeopatia, somente é
efetuado quando o médico pode avaliar sintomas próprios
e bem definidos diante do sofrimento causado pela doença.
O tratamento homeopático também será
útil como coadjuvante aos psicotrópicos químicos
e às psicoterapias ou psicanálises, afirma
Hélio Bergo, presidente da Associação
Médica Homeopática Brasileira.
Os
especialistas concordam que, além do acompanhamento
psiquiátrico, terapias de apoio e acompanhamento psicológico
são sempre bem-vindos. Mesmo familiares de bipolares
podem procurar grupos como a Associação Brasileira
de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos
(Abrata),
da Unifesp, onde são aconselhados sobre como ajudar
o familiar durante o tratamento e recebem dicas para lidar
com suas próprias fragilidades. A situação
dos parentes costuma ser delicada, porque recebem dos médicos
a orientação de estarem sempre atentos ao comportamento
do bipolar. São os familiares que precisam observar
se o paciente toma os medicamentos e se começa a desenvolver
algum traço de mania ou depressão novamente,
lembra Rodrigues.
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Serviços
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Funcionários, docentes, alunos da
USP e seus dependentes têm prioridade
para agendamento com clínico geral
no Hospital Universitário. A Abrata,
da Unifesp, está com vagas abertas
para participação gratuita
em grupos de auto-ajuda para amigos, familiares
e portadores de transtornos afetivos. Já
o atendimento no Instituto de Psiquiatria
do HC não pode ser agendado. O procedimento
normal é procurar o Centro de Saúde
de sua região, que deve encaminhar
casos mais graves para hospitais maiores.
Hospital
Universitário USP
T. (11) 3039-9449
Associação
Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores
de Transtornos Afetivos (Abrata)
Realiza encontros auto-ajuda para amigos,
familiares e portadores de transtornos afetivos
T. (11) 3256-4831
T. (11) 3256-1910
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