O
início de novembro, o atendente de classe José
Francisco Soares vai lançar no Instituto de Física
(IF), local onde trabalha, um livro de espionagem de sua autoria.
A trama dessa história tem tudo aquilo que uma boa
obra de ficção dessa espécie necessita:
envolve interesses geopolíticos, misteriosos assassinatos,
serviços de inteligência e, claro, espiões
de diversas nações, entre elas Estados Unidos,
Rússia e Brasil.
Tendo
interrompido seus estudos na quinta série do ginásio,
o fato de Soares, como é conhecido pelos colegas do
IF, escrever um livro que demanda um enredo tão articulado
como os de espionagem já é, por si só,
intrigante. "Eu guardo informações com
facilidade, é uma dádiva de Deus" é
o que diz o funcionário. A resposta talvez esteja também
na sua própria história pessoal, cheia de altos
e baixos e não menos espetacular que a aventura do
espião brasileiro relatada em seu livro, com uma diferença
fundamental: a curta biografia a seguir não surgiu
da mente criativa do escritor, mas sim de suas reais experiências
de vida.
Soares
nasceu em Araçatuba, interior de São Paulo,
onde viveu uma infância bastante difícil.
Ainda quando criança, o falecimento do pai deixou
órfãos Soares e seus nove irmãos
e obrigou-o a abandonar os estudos para ajudar em casa.
A mãe, apesar de sobrecarregada, ensinou os filhos
a viver a vida da forma mais digna possível. "Parei
de estudar porque não tinha condições
mesmo. Éramos todos menores de 15 anos, e freqüentemente
tínhamos que pedir esmolas para comer", lembra. |
crédito:Cecília
Bastos
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Já
na idade adulta, Soares mudou-se para São Paulo. Começou
trabalhando de caseiro em algumas residências e em junho
de 88 foi trabalhar como vigilante no Instituto de Física.
Depois de uma rápida passagem pela Prefeitura do campus
da capital(PCO), voltou ao IF, dessa vez como pintor. Em 1997,
entretanto, a alergia a tinta e as dores na coluna acabaram
transferindo o funcionário para a assistência
acadêmica, trabalhando como atendente de classe, função
que exerce até hoje.
Em
1998, o funcionário-escritor ingressou no PEA (Programa
de Educação de Adultos) para concluir o ensino
médio e fundamental. Com uma formação
praticamente autodidata, em pouco mais de seis meses Soares
já estava com os dois canudos na mão. "Talvez
por ler muito e gostar de matemática eu tive muita
facilidade logo no início do curso", afirma.
Ainda
hoje, aos 47 anos, a vida de Soares está longe
de ser tranqüila. Como assistente de classe, ele
precisa estar no IF antes das aulas começarem,
ou seja, por volta das sete horas da manhã. Isso
implica acordar às 4h15, pegar o ônibus em
Carapicuíba, local onde mora, e deslocar-se por
quase duas horas até chegar oo trabalho. Apesar
do cotidiano pesado, enquanto |
crédito:Cecília
Bastos
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escrevia
o livro, Soares aproveitava a rotina para criar. "Durante
as minhas viagens para casa eu prestava atenção
nas pessoas, nas maneiras delas agirem, tudo isso acrescenta
idéias na composição da obra",
conta o escritor, que chegou a passar 48 horas sem dormir,
escrevendo o livro à mão, nas folhas de
caderno dos filhos. |
As
crianças, conta Soares, são grandes incentivadoras
do seu novo ofício. "Eles estão numa alegria
imensa de ver o pai se tornando um escritor. Todos gostam
de leitura, e costumam ler livros infantis", orgulha-se
José, que tem três filhos, Isaac, 14 anos, Ana
Carolina, 12, e João Victor, 8. "O hábito
de ler é bom porque quanto mais a gente lê, melhor
a mente trabalha", aconselha o pai herói.
Outra
paixão sua é a música, principalmente
as sinfonias, que ajudam o funcionário a entender o
mundo. "No universo em que a gente vive, nem a Terra
invade o espaço da Lua, nem a Lua invade o espaço
da Terra; como na música, tudo precisa coexistir numa
perfeita harmonia", afirma Soares, apresentando também
uma predisposição à filosofia também.
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