estresse no trânsito

 

 
por
Marcos Jorge
crédito:Gil da Costa Marques

ENCARAR HORAS DE TRÂNSITO TODOS OS DIAS PODE FAZER MUITO MAL À SAÚDE
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odos os dias Deisy dos Santos de Morais acorda religiosamente às 5h15 da manhã e, em pouco menos de uma hora, precisa acordar a filha, tomar banho, trocar de roupa e tomar seu café da manhã. Tudo isso rapidamente, para sair de casa até as 6h15 em direção à USP, onde trabalha como secretária de pós-graduação da Biologia.

Seguir uma rotina como essa não é um mero capricho de uma funcionária-padrão querendo chegar cedo ao trabalho. Esse comportamento é uma necessidade que o deslocamento de carro de sua casa no Taboão da Serra até o trabalho lhe impõe. “Se por alguma razão eu sair dez minutos atrasada, ao invés de demorar 30 minutos para chegar ao trabalho, eu levo de 50 minutos a uma hora, e vou chegar atrasada ao serviço”, explica Deisy.

"UM DOS MOTIVOS DE ESTRESSE NO TRÂNSITO SURGE PORQUE A PESSOA QUE ESTÁ PARADA NO CARRO ESTÁ PRESSIONADA POR OUTRAS OBRIGAÇÕES E NÂO PLANEJA A AGENDA COM ANTECEDÊNCIA"

Assim como acontece com Deisy, são muitos os funcionários da USP obrigados a alterar seus hábitos e enfrentar uma batalha automobilística diária para chegar ao campus e cumprir com seus horários de trabalho. De fato, se estamos nos deslocando é porque queremos chegar a algum lugar, e mais do que isso, queremos chegar a algum lugar “logo”, pois na grande maioria das vezes já partimos de casa com hora marcada para alcançar o destino. “Um dos motivos de estresse no trânsito surge porque a pessoa que está parada no carro está pressionada por outras obrigações como ir ao médico, buscar o filho na escola e, em geral, ela não planeja a agenda com antecedência”, explica a psiquiatra Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

Colega de Deisy no Instituto de Biologia, Cláudio Rubens Franco segue à risca as orientações dadas pela médica, mas nem sempre isso é o suficiente para evitar o desgaste físico e psicológico dentro do automóvel. Morando perto do Aeroporto de Congonhas, Franco sai de casa às 6h30 para chegar à USP em vinte minutos ou meia hora. Entretanto, se o técnico em manutenção do IB sair trinta minutos mais tarde, sua rotina vai ser sensivelmente alterada. “Se eu deixar minha casa às sete da manhã, aí meu amigo, eu levo mais de uma hora para chegar à Cidade Universitária.” Isso porque nesse período da manhã há um fluxo intenso de pessoas saindo de casa em direção ao trabalho.

A ida para o serviço, Franco tira de letra, o problema do funcionário é mesmo a volta para casa. “Para mim, o mais desgastante é o retorno, porque eu pego um fluxo grande de carretas e caminhões na Marginal Pinheiros e na avenida dos Bandeirantes.” A conseqüência é que, mesmo morando a apenas
14 quilômetros da Cidade Universitária, o trajeto que Cláudio faz em 30 minutos pela manhã, leva uma hora e dez minutos para ser concluído no período da tarde.

Além de compromisso com o tempo, acrescente nos motivos que desgastam o motorista o excesso de veículos, a poluição sonora provocada por motores e buzinas, motoristas imprudentes e tudo que transforma a jornada para casa ou para o trabalho nos horários de rush num verdadeiro martírio sobre quatro rodas. “Trânsito, barulho, horários, tudo isso acaba confluindo para que a pessoa que está ao volante fique irritada e contribui para aumentar o grau de estresse”, afirma Alexandrina .

"MUITAS VEZES, A NECESSIDADE DE FICAR MUITO TEMPO SENTADO NA MESMA POSIÇÃO DURANTE UM ENGARRAFAMENTO TAMBÉM AJUDA A DESGASTAR O MOTORISTA."


Muitas vezes, a necessidade de ficar muito tempo sentado na mesma posição durante um engarrafamento também ajuda a desgastar o motorista. Deisy lembra da ocasião em que pegou uma enchente quando saía do serviço, às 17 horas e foi chegar em casa só às 22h50, quase cinco horas mais tarde. “As pessoas que estavam no trânsito ligavam dizendo para não sair da USP naquele dia. Muitos alunos e professores retornaram depois da uma hora da manhã e alguns dormiram na faculdade”, conta.

Alexandrina Meleiro afirma que depois de algumas horas ao volante a pessoa fica tensa, e sem perceber começa a contrair o pescoço e outras partes do corpo. “A dor nessas horas funciona como um acréscimo de irritabilidade no motorista”, diz. A dica é o motorista tentar relaxar e dentro de alguns intervalos fazer exercícios de alongamento na região cervical.

Para os momentos em que tudo está parado, Franco e Deisy têm mais ou menos a mesma solução: música. Enquanto para Franco o rádio é o principal companheiro, a secretária prefere ouvir seus CDs de músicas zen e “tentar lembrar que não está atrasada”. Cantar e fazer alongamento dentro do carro também fazem parte de seu protocolo antiestresse.

“A pessoa percebe que o trânsito está estressante quando ela começa a mudar o comportamento para uma atitude que pende para uma agressividade e irritabilidade excessiva”, explica a psiquiatra, que ainda aponta algumas outras evidências. “O indivíduo está bem, mas quando entra no carro fica alterado e tem dores musculares, servicais ou dor de cabeça.”

É verdade também que algumas pessoas se alteram quando estão na direção de um veículo. A psiquiatra explica que esse tipo de comportamento está ligado à personalidade da pessoa, que vê o automóvel como um instrumento de poder. “Aquela pessoa tranqüila passa a brigar, a discutir, a competir com o outro. Isso porque ela se sente protegida pela noção de poder que o carro lhe transmite”, explica. “Isso causa estresse porque o indivíduo quer vencer, e o outro não quer ser vencido. Estabelece-se aí uma competição ferina, ou seja, que não é sadia.”

"ALGUMAS VEZES, É O PRÓPRIO TRÂNSITO QUE EXPÕE O INDIVÍDUO A SITUAÇÕES DE ESTRESSE CAPAZES DE TIRAR QUALQUER UM DO CONTROLE."

Algumas vezes, é o próprio trânsito que expõe o indivíduo a situações de estresse capazes de tirar qualquer um do controle. Franco se lembra de quando chegou no seu limite e perseguiu um motociclista que tinha-lhe ofendido durante um engarrafamento. “Eu andei uns 500 metros atrás do motoqueiro querendo atropelá-lo até que coloquei a mão na cabeça e pensei que talvez eu pudesse machucar aquela pessoa por causa de uma desavença no trânsito”, relembra o funcionário.

Com uma frota que já superou em muito os 3 milhões de veículos, é pouco provável que a confusão no trânsito paulistano seja resolvida de uma hora para outra. A solução é procurar horários e caminhos alternativos, sair cedo de casa, incentivar caronas entre os colegas de trabalho e priorizar o transporte coletivo.

Não é o caso de Franco que, quando chega ao trabalho, esquece de toda irritação que passou dentro do carro, mas é comum o indivíduo descarregar a tensão em alguma coisa ou alguém. “A pessoa chega em casa agressiva e despejando a cólera no serviço ou no lar. Esse comportamento causa hostilidade entre os colegas e prejudica o relacionamento pessoal no trabalho e na família”, diz Alexandrina. Para o funcionário do Instituto de Biologia, chegar ao prédio da faculdade é um momento de alívio. “Mesmo depois de um trânsito péssimo, quando eu saio do carro, acabou. Não transfiro o que passei na rua para o local de trabalho”, conta Franco.

O fato é que o caos reinante das ruas de São Paulo conseguiu mudar não apenas os nossos hábitos, mas também a nossa língua. O verbete que antigamente remetia a movimento, dinâmica, hoje é sinônimo de lentidão, tempo perdido e estresse. E quando um colega chegar ao trabalho dizendo que “hoje estava muito trânsito”, pode ter certeza, ele não está falando que o tráfego está fluindo muito bem hoje. O que ele realmente quer dizer é “prepare-se, pois hoje é um daqueles dias em que fica tudo parado”.