Colocar
apelidos, discriminar, perseguir, excluir, agredir, roubar
material: atitudes como essas, praticadas por crianças
e adolescentes, têm um forte impacto na vida dos seus
colegas. Ninguém parece escapar de provocações
de mau gosto no corredor ou na sala de aula, mas quando esse
comportamento se torna recorrente, pode ser caracterizado
como bullying ou, em português, violência
ou assédio moral infantil. Nesses casos, a brincadeira
não tem a mínima graça.
Uma criança que sofre desse tipo de assédio
pode apresentar desde queda no rendimento escolar ao suicídio,
em casos extremos. O termo bullying foi batizado
pelos ingleses na década de 80, mas no Brasil os estudos
sobre seus efeitos ainda são escassos.
Uma das entidades não-governamentais preocupadas com
o problema é a Associação Brasileira
Multiprofissional de Proteção à Infância
e Adolescência (Abrapia). Segundo pesquisa por ela realizada
em 2002, 40,5% dos alunos admitiram envolvimento direto em
atos de bullying, naquele ano, sendo 16,9% alvos e
12,6% autores. O resultado do estudo, com 5.875 estudantes
de 5ª. a 8ª. séries, no Estado do Rio de
Janeiro, mostra que pais e professores precisam estar preparados
para lidar com o problema, tão logo apareça.
"Esse
tipo de comportamento às vezes não é
enxergado com clareza. É melhor que ele apareça
para que o professor atue", adverte Marieta Nicolau,
professora da Faculdade de Educação e especialista
em psicologia da educação infantil. "Daí
a importância que o adulto tem de observar e dialogar,
para saber o que está por detrás dessa atitude.
Ele precisa agir como um intermediário para criar
um clima psicológico adequado", destaca. |
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Sinais como chorar e não querer ir à escola
podem ajudar pais a perceberem que o filho está sendo
vítima do bullying. Foi o que aconteceu com
a filha de Claudinei Antônio dos Santos, funcionário
da Prefeitura da Esalq. "Ela reclamava e só ia
para escola chorando. Um dia chegou chorando em casa e só
depois contou que as coleguinhas falavam que ela era feinha
e magricela, puxavam seu cabelo, pegavam o material e jogavam
fora."
O funcionário acredita que a menina, que tinha 9 anos
na época e estava na 3ª. série, devia estar
sofrendo ataques das colegas por muito tempo, mas não
comentava nada com ninguém. "Ela é muito
quieta, não reage, é passiva", conta. Quando
finalmente entenderam seu drama, Claudinei e a esposa foram
falar com a coordenadora da classe da filha, que disse não
saber que a violência moral estava acontecendo.
Para a Abrapia, os casos de meninas envolvidas com o bullying
são raros, e a freqüência é muito
maior entre meninos, tanto como autores ou como alvos. Já
a professora Marieta não é favorável
a ditar receitas para esses comportamentos. "As relações
são muito complexas, dependem da herança cultural
do grupo e dos pais, além da dinâmica da classe."
Ainda
segundo a Abrapia, os autores do bullying procuram
pessoas que tenham alguma característica que sirva
de foco para suas agressões. Por isso a abordagem de
quem se diferencie do grupo por apresentar obesidade, baixa
estatura ou deficiência física. Já na
opinião de Marieta, a aparência não é
o fator determinante: "uma 'gordinha' pode ser bem ajustada
e uma 'loirinha', não".
No entanto, ela destaca a importância de ajudar meninos
e meninas a encarar a diversidade sem preconceito, e defende
que a troca aberta de pontos de vista e o debate de idéias
são essenciais para que as "crianças aceitem
coisas que de início não eram delas".
"Aconselho
minhas filhas a aceitarem os outros como são",
diz Cleusa Aparecida Barbosa, funcionária da Faculdade
de Direito. Ela acredita que o problema está tão
presente nas turmas das filhas, de 17 e 19 anos como esteve
na sua época de colégio. "Quando eu
ficava de segunda época (recuperação),
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sofria
um desconforto", lembra Cleusa, que compara: "antes
era mais leve, hoje a discriminação é
mais voltada para a aparência". |
O
bullying entre adolescentes ganha traços peculiares
na opinião da professora Marieta. "Nessa fase
a auto-suficiência é maior, o jovem pode encontrar
o ponto fraco do outro com mais facilidade", ressalta.
A funcionária Paula (nome fictício) chegou a
trocar a filha de 13 anos de escola. Como tinha o costume
de dançar músicas de axé no recreio,
a garota levou a fama de "exibicionista" e alguns
meninos se sentiram livres para avançar o sinal. "Eles
ficavam provocando e mexendo com ela. Uma vez um deles tentou
'passar a mão'", conta a mãe, que diz que
a filha, por sua vez, garantia que dançava por brincadeira.
Para Marieta, esses problemas precisam ser encarados o mais
cedo possível, para evitar que o adolescente leve para
a vida adulta a carga dos conflitos não resolvidos.
"A auto-imagem negativa tem influência futura nos
estudos, trabalho e relações amorosas",
prevê ela, que reforça a importância do
diálogo sincero como melhor remédio contra a
propagação do bullying.
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