Sandro De Maria Joner

 

 
por
Marcos Jorge


A
paixão de Sandro De Maria Joner pela cultura afro-brasileira começou cedo, mais precisamente aos 15 anos. Hoje, com o dobro desta idade, foi na capoeira que ele descobriu formas de aliar os estudos teóricos feitos ao longo da vida com a prática saudável da atividade física.

Os caminhos que levariam o técnico de documentação e informação da biblioteca da Faculdade de Saúde Pública a se tornar o grande incentivador do grupo de capoeira na faculdade e também o editor de uma revista sobre a cultura da capoeira começam em Porto crédito:Oswaldo Santos
Alegre, cidade onde nasceu. "Sempre fui uma pessoa curiosa, e desde quandomorava no Rio Grande do Sul, venho numa busca religiosa pelo budismo, kardecismo e cultura afro-brasileira, com a qual me identifiquei mais", recorda.

Filho de mãe "italiana legítima", como conta, e pai descendente de alemães, Sandro estudava biblioteconomia na UFRGS e conseguiu transferência para a o curso da ECA/USP em 1999. Ele pesou a proximidade dos pais - que haviam se mudado para o litoral de SP um ano antes - e as melhores chances de mercado de trabalho. "O primeiro ano de adaptação foi complicado, vim morar no Crusp. Primeiro dividi o apartamento com um roqueiro da Poli, depois com um pessoal evangélico", conta.

Mas logo o Crusp se revelou a Sandro como o caldeirão cultural que lhe aguçaria ainda mais a curiosidade. "Conhecer japonês que é umbandista foi uma loucura. No Rio Grande do Sul a coisa era mais segmentada, aqui a diversidade é muito maior, e o Crusp é um microcosmo de São Paulo. Foi lá que conheci a capoeira", diz ele, que já fazia aulas de antropologia na FFLCH e no Museu de Arqueologia e Etnologia.

crédito:Oswaldo Santos
O som do berimbau e do atabaque atraíram Sandro para uma apresentação no bloco F, onde o grupo de capoeira "da casa" recebia a visita do grupo Porto dos Malês, de Carapicuíba. "O estilo e o desenvolvimento dos movimentos me chamaram a atenção. Usavam uma vestimenta diferente e uma indumentária que eu já tinha visto no candomblé", diz ele, que soube que o grupo não era dessa religião, mas sim buscava preservar elementos da cultura afro.

Interessado em levar mais opções de atividades para a FSP, Sandro teve a iniciativa de articular o início de uma turma. Félix Sérgio da Silva, presidente da Associação dos Funcionários, apoiou a idéia e as aulas começaram em junho, num espaço cedido pela associação. Foi lá que Sandro virou aluno. Ou melhor, "discípulo", com direito a ser rebatizado com o nome Kiri, que significa "montanha", simbolizando a força e a transformação do homem. Desde então, conta ter mais disposição e outra fisionomia.

Hoje já são 12 pessoas, entre alunos da USP e funcionários. O grupo se encontra duas vezes por semana, depois do expediente, com a orientação do "mestre" Renato Brazílio de Almeida, conhecido no universo da capoeira como Iawô Ôkán (significa "coração").

Diferentemente da capoeira tradicional praticada em academias da cidade, o grupo Porto dos Malês utiliza uma nomenclatura especial, algumas vezes na língua africana iorubá. Os alunos são chamados de filhos e o local da prática, de quilombo. Para simbolizar a passagem de níveis de desenvolvimento na capoeria, ao invés de cordões com as cores da bandeira do Brasil, são utilizados corrente, corda, lenço e kelê - gargantilha africana de miçangas coloridas.

Quem explica é o próprio Renato: "No nosso entender o cordão é uma influência oriental". Ele conta que o Porto dos Malês começou em 2003 e é descendente do Capitães de Areia, de Salvador. Todos os 14 níveis da formação de quem pratica esse estilo de capoeira estão relacionados com a trajetória dos escravos africanos vindos ao Brasil nos séculos 16 e 17: navegante, escravo, negro fujão, quilombola, andarilho, liberto, dagã ("filho mais velho do quilombo", ou o instrutor), iawô ("consagrado eternamente", ou aquele que concluiu sua formação), entre outros.

crédito:Oswaldo Santos

Para divulgar princípios como estes, Sandro propôs fazer um site e uma revista. "Pensei que já tenho a facilidade do acesso ao computador, gosto dessa cultura e não quero ficar só de platéia e batendo palmas: quero divulgar, unir o jeito de ser com o prazer de fazer. Foi bingo, eles estavam precisando", comemora.
O site não está pronto, mas a revista Cultura do Capoeira já foi publicada em setembro, acompanhada de um CD com músicas inéditas e também de domínio público. Com tiragem inicial de 3 mil exemplares e proposta de periodicidade trimestral, a revista conta com entrevistas, notas culturais, biografia dos mestres compositores e letras das músicas. A publicação é vendida principalmente nos eventos e batizados que o Porto dos Malês participa.

"A editoração eletrônica foi terceirizada, mas os textos, a digitação, a fotografia e o 'boneco' da revista foram meus. Pesquisei o conteúdo, que foi todo articulado com o grupo", diz o funcionário. Segundo ele, a proposta da publicação é divulgar pessoas a princípio anônimas que estão dentro dos vários grupos de capoeira. O custo da revista é coberto com o retorno de vendas e com anúncios.

Para Sandro, praticar capoeira vai muito além do exercício físico, porque permite resgatar o "jeito de ser afro-brasileiro". "Essa expressão é própria de todo brasileiro, independente da sua cor de pele, origem ou condição social. A capoeira é a alegria e a sabedoria que um povo manifesta no seu jeito simples de ser", ressalta. Ele conta que os ensinamentos de equilíbrio físico e mental extrapolam o momento das aulas e se tornam filosofias de vida. Dessa forma, fica feito o convite.

Serviços


Para praticar aulas na FSP ou conseguir um exemplar da revista Cultura do Capoeira, ligue para Sandro nos telefones (11) 3066-7745 e (11) 9146-1229.

As aulas acontecem segunda e quarta-feira, das 17h às 18h (com a possibilidade de outros horários a combinar) e são abertas a professores, funcionários e seus filhos e alunos da USP.