Entrevista: Lucas Trevisan, primeiro Engenheiro de Biossistemas do Brasil a fazer mestrado nos EUA

Lucas na colação de grau da Engenharia de Biossistemas.
Lucas na colação de grau da Engenharia de Biossistemas.

1- Conte-nos um pouco como foi sua graduação, quais atividades você realizou (iniciação, intercambio etc.)?
Iniciei minha graduação em 2009, primeira turma da Engenharia de Biossistemas! (e tenho muito orgulho disso). Desde meu primeiro ano sempre dei muito valor a diversidade do curso e busquei conhecer, na medida do possível, um pouco de cada área de atuação da engenharia de biossistemas. Nem sempre com projetos, mas participando daquilo que estava ao meu alcance. De acordo com meus horários, nunca fiquei parado durante a graduação. Ainda no primeiro ano comecei um projeto pelo programa ensinar com pesquisa, onde ajudei a elaborar um plataforma virtual para colaborar no ensino de desenho técnico e aplicação de Georreferenciamento nas áreas da Engenharia de Biossistemas. No total foram 2 anos trabalhando com o Prof. Juliano Fiorelli. Ainda sobre a supervisão do professor Juliano atuei em um projeto de cultura e extensão visando melhorar economicamente a vida de pequenos proprietários, produtores de leite, por meio do planejamento da sua logística de produção utilizando novas tecnologias como o GPS, SIG, e outras ferramentas computacionais. Em seguida trabalhei no laboratório de Construções Rurais e Ambiência por um semestre no desenvolvimento e teste de materiais a base de resíduos de cana-de-açúcar e óleo de mamona. Em meu terceiro ano pude fazer parte de um projeto pela prefeitura do campus no levantamento e planejamento de utilização de uma área pertencente a mesma. Após isso, entrei como estagiário no laboratório MatMod sob a orientação do Prof. Sergio David, iniciando minhas pesquisas com simulação e modelagem matemática. Neste trabalho apliquei os conceitos de modelagem e simulação para sistemas de estabilização de câmeras coletoras de imagens utilizadas na agricultura. Ainda na área de simulação e modelagem, consegui minha bolsa de iniciação cientifica utilizando métodos de modelagem e simulação para previsão de preços de commodities em mercado futuro, servindo como uma ferramenta para a tomada de decisão frente ao mercado econômico. No início do ano de 2014 fiz um intercâmbio para os Estados Unidos, onde estudei e fiz estágio durante um semestre na Universidade de Illinois pelo programa Empreendedorismo da Agência USP de inovação, sem dúvida foi a experiência mais incrível durante toda a minha graduação e uma das maiores oportunidades para expandir meus horizontes. Em dezembro de 2015 me formei e já em Janeiro de 2016 iniciei meu mestrado nos Estados Unidos pela mesma Universidade de Illinois.

 2- Como foi o processo para você chegar até o Mestrado nos EUA?
Não posso dizer que este mestrado caiu do céu, mas sim que foi uma soma de fatores de tudo que percorri durante a graduação. Acredito que qualquer aluno que tenha vontade possa alcançar isso, não fui o primeiro e nem serei o último e espero que as descrições aqui possam ajudar a vários alunos.

Antes de tudo vem o Inglês (no caso por ser Estados Unidos). Eu entrei na faculdade sem saber uma palavra em inglês, então encorajo a todos os alunos a irem atrás para aprender, pois sim, é possível! Para fazer um intercâmbio não é exigido um nível muito alto, mas para uma pós-graduação é necessária uma pontuação mínima no TOEFL iBT. Conseguir o mestrado requer muita comunicação, portanto o Inglês se torna fundamental mais uma vez.
Um segundo passo é se inscrever em um mestrado no exterior. Nenhuma faculdade nos Estados Unidos é gratuita, mesmo sendo pública. Aqui existem duas alternativas, ir por contra própria e custear seus estudos ou ir como um de auxiliar de pesquisa (Research Assistent, RA). Neste segundo caso, o aluno é contratado por um professor (departamento) e recebe isenção de “tuition” (custos das aulas) e ainda recebe um salário mensal de acordo com as horas trabalhadas nas pesquisas, ou seja, se você for um RA terá que trabalhar e estudar. O mais importante é ir atrás de professores que possam te colocar em contato com outros professores estrangeiros e assim buscar uma vaga para pesquisa.
O processo de inscrição é relativamente simples, basta criar uma conta na página da universidade e preencher todos os campos, as informações requeridas serão: info. pessoais, histórico acadêmico, comprovantes de conclusão de curso (porém se ainda não tiver não tem problema), comprovantes de qualquer curso do qual tenha participado. Será necessário escrever um currículo onde constam todas, absolutamente todas, as experiências que você já teve em sua vida, acadêmicas e até mesmo pessoal e ainda escrever uma carta mostrando como e porque será importante para você participar do programa de pós graduação (parece complicado, mas não é). O aluno tem que fornecer também sua média ponderada (que será comprovado de acordo com o histórico) e a nota do TOEFL. Estas duas notas são cruciais, a sua média ponderada considerando as ultimas 60 horas crédito/aula deve ter pelo menos um GPA=3 (existem tabelas para conversão mas basicamente um GPA=3 equivale a uma média=7). Já a nota do TOEFL depende da faculdade, no meu caso o mínimo era 78 para ser aceito. Feito isso basta esperar o resultado e seguir as instruções da universidade. Como regra geral, se você já tem um professor que te aceitou e tem as notas dentro dos requisitos, será aprovado sem problemas. Lembrando que a posição de RA e a inscrição são coisas diferentes, ou seja você pode se inscrever mesmo não tendo um professor para te contratar ainda, mas se quiser ter isenção é fundamental ser contratado.
Por fim vem a documentação, visto e tudo mais. Esta parte é tranquila, porém pode ser demorada, por isso inicie o processo o quanto antes para não tem correria. Se aprovado, o aluno receberá todos os documentos necessários para o visto após o envio de todos os seus documentos para inscrição.
Procurei passar o máximo de informação sem deixar o texto muito longo, me coloco a disposição de qualquer aluno que tenha interesse em tirar dúvidas e tudo mais.

3- Foi por causa do seu intercâmbio que você conseguiu essa vaga, conte-nos com mais detalhes como foi esse período.

O intercâmbio abriu portas sim, principalmente por que através dele alcancei um nível muito melhor de inglês. Mas, também não foi só isso. Durante meu intercâmbio assisti às aulas recomendadas por meu orientador, isso fez com que eu tivesse que estudar bastante, mas valeu muito a pena. Ainda durante o intercâmbio, fiz um estágio na faculdade onde pude mostrar minha força de vontade, e isso conta muito, se você quer que seu orientador te de uma chance maior no futuro o melhor é mostrar que é dedicado e trabalha duro. Mas, o intercâmbio não é a única forma, procurar contatos que estão ao alcance também é fundamental. Quando fiz o intercâmbio eu não trabalhei com meu atual orientador, mas tive contato com ele e foi em um evento na FZEA que o encontrei e conversei a respeito de um mestrado e foi aí que começou todo o processo. Outro fator importante é ter na FZEA um ou mais professores que possam dar boas referencias sobre você.

4- Para quem esta tentando uma vaga de intercambio ou pós-graduação no exterior quais dicas você pode dar?

Em primeiro lugar eu diria: aproveite todas as oportunidades que a universidade oferece. Eventos, estágios (mesmo dentro da faculdade), projetos. Para quem tem interesse, não deixe de ir atrás, fale com professores, peça orientação. Como o GPA é muito importante na hora de conseguir a aprovação busque o melhor nas disciplinas, principalmente nos últimos semestres do curso. O fato de já ter DP não quer dizer nada, eu mesmo tive várias durante o curso. Procure estudar inglês (ou a língua que mais lhe convém) regularmente, pelo menos uma vez por semana. Hoje no youtube é possível encontrar um número incontável de aulas e por toda a internet existem cursos gratuitos. Se o interesse for um intercâmbio, pode não haver uma grande exigência da língua, porém o quanto melhor você a souber vai facilitar para conseguir contatos, e esse é um grande passo. Mas, fundamentalmente, ser determinado é uma das principais características, não desista e corra atrás, a vontade é meio caminho andado.

5- Em que área você irá pesquisar no seu Mestrado?

Minha área de pesquisa será em pós-colheita de soja. Mais precisamente, estarei avaliando um sistema de controle de ambiente na armazenagem que visa aumentar a vida da soja quando armazenada, ou seja, armazenar por mais tempo sem perder a qualidade ou até mesmo aumentar a qualidade da armazenagem em qualquer situação. O projeto envolve toda a parte da estruturação do sistema, parte elétrica, instrumentação, controle e por fim os testes com a soja. O resultado disso pode ser refletido em muitas partes da cadeia de produção, tal como transporte e também fatores econômicos, como na decisão de quando vender a commodity armazenada.

Lucas em Illinois: O frio é um dos desafios nos EUA.
Lucas em Illinois: O frio é um dos desafios nos EUA.

6- Como funciona o Mestrado nos EUA?

O mestrado nos EUA, de certa forma, é bastante similar ao do Brasil. Aqui o aluno tem que realizar uma quantidade específica de créditos aula e horas de pesquisa. Estas quantidades dependem do curso, departamento etc. Normalmente o programa tem duração de 2 anos a 2 anos e meio sendo obrigatório 24 créditos em aula. Não existem disciplinas pré-estabelecidas para se matricular, o que existe são as classificações que você tem que cumprir. Por exemplo, um aluno de mestrado em engenharia deve cumprir pelo menos uma matéria em matemática avançada, ou seja, dentre todas as disciplinas de matemática avançada cada um escolhe o que mais convém, podendo ser equações diferenciais, séries numéricas, modelagem matemática etc. Os 24 créditos são o mínimo que o aluno precisa ter, mas é possível se matricular em disciplinas que se tenha vontade e que não são parte dos requisitos. O trabalho com RA estará relacionado com sua tese.

7- Quais diferenças você observa na Engenharia de Biossistemas (ou áreas relacionadas) do Brasil para os EUA?

Para ser bem sincero, o que vejo de aplicações aqui são muito similares ao que eu vi no Brasil, acredito que os cursos Brasileiros e Norte-Americanos de Engenharia de Biossistemas (ou Agricultural and Biological Engineering como é chamada aqui) estão com a mesma visão, o que muda é o cenário. Cada lugar volta suas aplicações para as áreas mais necessitadas. Vejo que no Brasil ainda é necessário maior desenvolvimento tecnológico nacional, em muitas áreas como, plantio e toda sua relação até a colheita, produção animal, ambiência, controle de pragas e assim por diante. E o Engenheiro de Biossistemas está começando a preencher este espaço. Vejo que hoje no Brasil não se pode mais trazer tudo de fora, precisamos de tecnologia voltada para nossas necessidades e não sempre adaptar o que já existe em outros lugares. Nos EUA essa parte das tecnologias está mais solidificada, então as aplicações se voltam para o aprimoramento dessas tecnologias e suas aplicações e na busca por maior eficiência. Apesar da grande diferença entre os estilos das universidades, vejo a Engenharia de Biossistemas no caminho certo, visão que não tinha a algum tempo atrás, confesso.

8- Sobre o futuro do nosso curso, quais áreas você enxerga como promissora nos EUA? E no Brasil?

Acho que quase respondi essa questão na parte anterior. Vejo que no Brasil, todas as áreas relacionadas à agricultura, agropecuária e suas derivações na agroindústria são fortes campos para o Engenheiro de Biossistemas. Temos a capacidade de trazer um diferencial, como citado anteriormente, muitas áreas ainda demandam desenvolvimento tecnológico e essas oportunidades não podemos perder. Ainda, na situação econômica que estamos, eficiência deve ser uma das palavras chaves em qualquer processo. Dentro de todas estas áreas, gostaria de destacar a pós-colheita (toda a cadeia) e ambiência como áreas muito promissoras no Brasil. Temos características ambientais e econômicas únicas e acredito que isso deva conduzir nossa busca por desenvolvimento. Nos EUA o foco está mais na qualidade e na eficiência dos processos. Por exemplo, armazenagem de grãos, o que envolve não somente a armazenagem em si, mas toda a logística em uma análise cuidadosa da perda de qualidade dentro de todo este processo.