Na extensa correspondência que trocou com os seus tradutores, Guimarães Rosa não só responde minuciosamente às questões que lhe eram colocadas – muitas vezes de caráter referencial em razão da enorme abundância de nomes de plantas, animais e expressões regionais presentes em seus livros –, como, indo muito além delas, acaba desvendando algumas das particularidades de sua poética. Neste artigo, apresentamos algumas passagens desse diálogo.
Ao ler a correspondência de João Guimarães Rosa com seu tradutor francês, Jean-Jacques Villard, surpreendi-me ao descobrir que um de seus contos mais conhecidos, A terceira margem do rio, havia sido publicado na revista Planète, editada pelos pais do realismo fantástico Louis Pauwels e Jacques Bergier. A revista, criada na esteira da comoção provocada por O despertar dos mágicos, colocava-se, antes de tudo, contra o positivismo científico dominante na época e levava em conta os fenômenos paranormais, a alquimia, as capacidades inexploradas do cérebro humano. “Rien de ce qui est étrange ne nous est étranger ” era o lema da revista. Neste artigo, pretendemos, por um lado, contar a estória da publicação e da tradução desse conto e, por outro, pensar esse fenômeno como integrado ao modo como as obras de Guimarães Rosa foram recebidas na França dos anos 1960.
Grande sertão: veredas foi vertido pela primeira vez para o francês em meados dos anos 1960, recebendo uma segunda tradução para essa língua no início dos anos 1990. Retraçar o projeto tradutório que guiou cada um desses trabalhos, buscando identificar como cada tradutor entendeu a singularidade da escrita de Guimarães Rosa, é o objetivo deste artigo.
Os arquivos tiveram um papel determinante, em nossa tese de doutorado,na construção de um novo olhar acerca da primeira versão de Grande sertão: veredas publicada em 1965 na França. De fato, o surgimento, em 1991, de uma nova versão desse romance parece ter bastado para fixar a opinião da insuficiência do primeiro Diadorim, título francês do romance de Guimarães Rosa. Contudo, os artigos publicados no lançamento de Corpo de baile e de Grande sertão: veredas na década de 1960 na França mostram-nos o encantamento e o espanto dos críticos diante das obras daquele autor brasileiro até então desconhecido no país. Os elogios ao trabalho do tradutor, Jean-Jacques Villard, são quase unânimes, o que já instigaria a leitura atenta dessa tradução e sua reavaliação. Entretanto,os artigos legaram-nos igualmente uma referência importante para entendermos o horizonte literário daquele tempo e a perspectiva adotada por Villard em sua tradução: a comparação de Guimarães Rosa com um escritor francês que gozava então de grande prestígio, Jean Giono. Isso nos permitiu recolocar a primeira tradução não só em sua própria história, mas também na história do romance de Guimarães Rosa,desfazendo a ideia de que possa haver progresso entre as diferentes versões de uma mesma obra.
Parte fundamental da poética de Guimarães Rosa foi percebida por importantes críticos literários após o lançamento de suas obras. Antonio Candido, Pedro Xisto, Augusto de Campos, Cavalcanti Proença são alguns nomes lembrados pelo próprio escritor na correspondência trocada com seus tradutores. Nessas cartas, ele avaliza as percepções desses estudiosos e fornece, a partir das dúvidas de seus correspondentes, inúmeras amostras do que seria a “metafísica da língua” que constitui seus textos. Este artigo tenta trazer à baila alguns desses exemplos e, com eles, um pouco da poética do autor explicitada por ele mesmo.
A preparação das notas da correspondência trocada entre João Guimarães Rosa e seu tradutor francês, Jean-Jacques Villard, está nos levando a ampliar a compreensão da tradução e da recepção da obra do escritor nos anos 1960 na França. Um dos aspectos desse processo que sempre nos intrigara, e que as cartas trocadas entre o escritor e seu tradutor não eram capazes de esclarecer, dizia respeito ao modo como se estabelecera o contato entre eles. A investigação que empreendemos a partir do nome de Michel Chodkiewicz, editor da Seuil responsável pela publicação das obras de Guimarães Rosa junto a essa editora, levou-nos não só a responder a essa questão, como a entender o papel fundamental que o compromisso pessoal de um editor para com uma obra representara para a publicação de Corpo de baile na França dos anos 1960.
La réception française de l’œuvre de João Guimarães Rosa tient un peu de la rencontre manquée. Elle avait bien commencé avec le vif intérêt des éditions du Seuil, qui avaient préempté les droits sur le roman Grande sertão : veredas. Le cinquantenaire de sa mort fournit l’occasion de revenir sur les heurs et malheurs de notre lecture et de quelques malentendus suscités par cette œuvre majeure.