Tomando a figuração-representação do escritor em um dos prefácios de Tutaméia, busca-se problematizar os fluxos envolvidos na criação artística, considerando não apenas a interioridade ou exterioridade dos mesmos, como também a sua natureza ordinária ou extraordinária. Busca-se, então, estabelecer um diálogo entre tais dimensões, o conceito de porosidade poética e a perspectiva fenomenológica de Merleau- Ponty, com vistas ao desvendamento do lugar do escritor, tal como figurado na obra rosiana.
Este trabalho pretende discutir a importância do relacionamento que se estabelece entre homens e cavalos em Grande sertão: veredas, considerando a constituição de uma categoria híbrida: o centauro. Partindo da percepção de que, no contexto da narrativa, os “cavaleiros montados” guardam estreitas relações com o fazer artístico, proponho o diálogo com uma perspectiva transpessoal. Em tal perspectiva, essa figura mitológica remeteria à abertura para outros níveis de realidade e consciência – o que, por sua vez, nos faz compreender a arte que se expressa por Grande sertão: veredas sob uma perspectiva multidimensional e transcendente.
Inspirado pela leitura de Grande sertão: veredas, a proposta deste trabalho é refletir acerca das relações complexas que se estabelecem entre realidade e ficção. Para tanto, busco utilizar o conceito de "porosidade poética", construído em diálogo com a obra rosiana e que visa dar visibilidade à dinâmica efetuada pela arte - em especial a literatura- como veículo de trânsito entre níveis distintos de realidade.
O presente estudo aborda Grande sertão: veredas a partir de uma perspectiva multidimensional, compreendendo a obra através do entrelaçamento dinâmico de vários níveis narrativos, tornado possível pela via da narração de um aprendizado poético. Tal aprendizado, corporificado na trajetória de Riobaldo, implica a compreensão da arte como um fluxo, movimento a ser apreendido através da vivência de três suportes fundamentais: ritmo, transcendência e experiência estética. Tendo como base a interação que se dá entre essas três dimensões da experiência, a operar na lógica da simultaneidade, temos as expressões artísticas de Riobaldo, configuradas pela via de uma poética que se apresenta com contornos bem específicos. Aqui nomeada como porosidade poética, essa pressuporia a permeabilidade e o trânsito entre níveis ordinários e extra-ordinários de realidade, assim como seria marcada por um afastamento do lugar tradicional atribuído ao artista. Assim constituído, este conceito é então utilizado como chave de leitura para que se lance um novo olhar sobre Grande sertão: veredas, em diálogo com dimensões presentes na própria poética rosiana. Percebe-se, então, a pluralidade de níveis sob os quais a narrativa de Riobaldo pode ser lida de um modo simultâneo, dinâmico e poroso o que, por sua vez, remete a uma dimensão metapoética da obra literária.