O projeto literário de Euclides da Cunha consiste no consórcio entre ciência e arte, como ele próprio revelou a José Veríssimo. Essa união pressupõe vigor de imaginação poética estruturado sob um rigor crítico científico – como aquelas partículas quânticas que mutuamente se implicam, observadas por Ilya Prigogine[1]. Por isso, sua obra poética se assemelha a um ensaio sócio-histórico. Esse drama fáustico se expressa no Grande sertãode Guimarães Rosa na luta civilizatória de Zé Bebelo contra a primitiva dicção poética dos demais chefes jagunços, liderados por Joca Ramiro e Hermógenes. O canto poético de Riobaldo é eivado de reflexões filosóficas de rigor científico, como a própria disposição crítica de sua narração catártica, que visa curar sua dor de amor pela morte de Diadorim. Assim, pelo método da poética comparada, com embasamento crítico-literário e científico-filosófico, pretende-se demonstrar como Euclides cunha o consórcio entre ciência e arte e sua herança na obra de Rosa.
Dialogando com a narrativa de Guimarães Rosa, esse texto procura apontar o trabalho ímpar da linguagem rosiana para processar a mediação entre "fato" e ficção, literatura e história, bem como, refletir em torno das representações do sertão elaboradas em sua narrativa como reveladoras de um espaço maior que a região, espaço nacional. O sertão imaginado na narrativa do autor mineiro, aquém das imagens que instituem a nação homogênea e uma, nos serve como chave de leitura para outro sentido de nação, narrada a partir dos confins da pátria. Sertão que desvela o entre-lugar da nação, atentando para a natureza liminar do grande sertão, no qual a questão dos limites e das margens, da contradição e descontinuidade constituem o cerne da questão nacional.
Inspirado pela leitura de Grande sertão: veredas, a proposta deste trabalho é refletir acerca das relações complexas que se estabelecem entre realidade e ficção. Para tanto, busco utilizar o conceito de "porosidade poética", construído em diálogo com a obra rosiana e que visa dar visibilidade à dinâmica efetuada pela arte - em especial a literatura- como veículo de trânsito entre níveis distintos de realidade.
A partir dos pressupostos teóricos sobre a natureza do ficcional à luz de pensadores diversos como Wolfgang Iser, Huizinga, Zumthor e Juan José Saer, procuraremos refletir sobre o ficcional-literário a partir de seus fundamentos antropológicos, seja a plasticidade e o jogo (Iser, Huizinga), seja a voz (Zumthor) ou a especulação entre realidade-irrealidade (Saer), para, num segundo momento, podermos confrontar esses pressupostos teóricos com a configuração do efeito estético em duas narrativas de dois dos maiores escritores brasileiros: Machado de Assis e Guimarães Rosa.
Este trabalho faz parte das investigações acerca das relações entre literatura brasileira e história, objeto de dois projetos de pesquisa em curso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O artigo pretende estabelecer um percurso de leitura que envolve quatro autores brasileiros de épocas distintas, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Raduan Nassar e Bernardo Carvalho. A ficção desses autores provoca a emergência de um pensamento crítico-literário renovado. Defendemos a
ideia de que há um “mundo crítico do texto” que dialoga e desconstrói o “texto crítico do mundo” afetado pelo contexto com/contra o qual se relaciona. Deste modo, interrogamos na literatura de que forma se estabelecem o pensamento histórico, social, político e filosófico, dentre outros entre-lugares discursivos.
Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras.
O presente estudo aborda a ficcionalidade da narrativa em primeira pessoa. O ponto de partida para a reflexão empreendida aqui é a teoria elaborada por Hamburger, para quem a primeira pessoa seria fingimento, e não ficção. Refletindo sobre tal teoria, adota-se aqui o conceito de ficção elaborado por Iser, mas com atenção também para outros teóricos. A ficção é vista como uma espécie de jogo, em que cada obra cria suas regras de acordo com a intencionalidade do autor e as possibilidades de recepção, pelo leitor. A narrativa em primeira pessoa, pelas especificidades técnicas que desenvolveu, sobretudo a partir do início do século XX, aparece como uma intensificação daqueles elementos que desvelam a natureza fictícia da obra. Aborda-se, assim, o foco narrativo e o tempo como sendo, dentre esses elementos, aqueles que exibem com maior intensidade essa natureza. Após uma visão sobre as teorias acerca da ficção, aborda-se a transformação operada nesse foco em direção a formas que se evidenciam como ficcionais. A análise de três obras representativas da moderna literatura brasileira especifica modos diversos de o ficcional revelar-se.
O presente trabalho analisa os contos Orientação, de Guimarães Rosa, e Um oriental na
vastidão, de Milton Hatoum. Esses textos são compreendidos como lugares onde aparecem
cartografados os encontros interculturais entre personagens chinesas, japonesas e brasileiras no
sertão mineiro e na floresta amazônica em projetados em escala global do imaginário
contemporâneo. Zona de passagem intricada, as vozes heterogêneas do texto rosiano e
hatouniano equilibram-se na desterritorialização do imaginário híbrido, imprimindo o ritmo da
travessia para o outro lado de si, além do deslocamento pela atmosfera das latências do outro,
reposicionada na constelação das mobilidades transmigrantes.