Depositária de uma cultura peculiar, em que a linguagem transgressiva (mescla de traços arcaicos e modernos) reconstrói e preserva uma parte do Brasil, a rural, a produção de Guimarães Rosa estabelece um a constante tensão entre a permanência e a mudança, a lembrança e o esquecimento. Considerando, entre os suportes teóricos, aspectos psicanalíticos, o intento é revisitar episódios que capturam e transfiguram, literariamente, faces do jaguncismo (vigoroso ou 'decadente') em "A hora e vez de Augusto Matraga" (Sagarana), Grande sertão: veredas e Primeiras estórias, graças a processos mnêmicos cuja presença se insinu tanto no texto, quanto fora dele, ou seja, as anotações que antecedem a obra e sua recepção posterior, tal como atestam as releituras de Antunes Filho (teatro) e de Pedro Bial (cinema).
Apoiado nas conexões entre literatura e psicanálise, este texto enfoca uma personagem feminina de Guimarães Rosa, que, violada por poderosos de seu meio, elimina-os dissimuladamente, apropria-se de seus bens e aprende "as letras", tornando-se dona do próprio corpo, desejo e ato narrativo - algo raro na obra rosiana.
Tema pouco lembrado pela crítica, porque presença discreta no conjuntoda obra rosiana, a maternidade alca nça contornos literárioscomoventes, para os q uais o olhar psicanalítico pode sugerir um de seus"sentidos". Entre outros, "A benfazeja" e "Sinhá Secada" constituemtextos exemplares dos afetos maternos a resgatarem questões como luto,renúncia, barreira à sexualidade, desamparo, demanda etc. - pontos deintersecção primorosos entre Literatura e Psicanálise.
O ensaio busca sublinhar o desejo de Riobaldo e suas relações com o ?fazer poético?, manifesto no gosto pelas cantigas que permeiam Grande sertão e comportam, em ponto menor, o movimento compositivo da obra. Da sedução dos cantares alheios até a fatura de versos próprios, o ex-jagunço vai construindo também liricamente as lembranças pessoais e, à semelhança de seu contar, persegue, nas cantigas, os modos que sustentam o ato de narrar: a mistura , o desenredo e a ?volta do meio prá trás? ? mote recorrente das formas poéticas presentes no romance.